O sinal sonoro fez com que treze das catorze mulheres que compartilhavam aquele dormitório, saltassem de suas camas antes que tivessem se passado cinco segundos completos. Juliet tinha o coração tão sobressaltado como os corpos sonolentos daquelas garotas que despertavam para entregarem mais um dia de suas vidas àquele sistema, que jamais as consultou para firmar qualquer contrato com eles, depois daquele curto diálogo de instantes antes.
As palavras de Katherine produziram o exato efeito que a loira quisera provocar, pois, dentro de si, Juliet não conseguia parar de pensar em todos os significados que elas tinham. Ela não conhecia muitos sentidos da palavra fogo, havia sido despojada de muitas experiências comuns de jovens como ela, mas, apesar de não haver praticamente nunca experimentado essa sensação, sentia que fogo era sinônimo de liberdade e a cada instante compartilhado com Katherine, a ideia de lutar para ser livre parecia ainda mais atraente. E, provavelmente, depois daquela data, pareceria ainda mais.
— Quem não se levantou? — Indagou irmã Hollie frente à treze trêmulas garotas. Ou melhor, doze, Katherine não estava trêmula, pois sustentava com segurança aquela empáfia que irmã Hollie tanto desejava quebrar.
— Ágatha, — Disse Mary quase em um sussurro. — Parece estar doente.
Irmã Hollie se aproximou ficando a um metro da cama, esticou os olhos com desdém segurando um molho de chaves na mão e pareceu levar um tempo analisando aquela conjuntura. Ágatha estivera queixosa nos últimos dois dias. Havia tido dificuldades em executar o trabalho. Estava pálida, fraca e havia vomitado muito, mas não recebera permissão para se ausentar de suas atribuições. Apesar disso, a situação despertava preocupação da freira, pois a Inglaterra havia enfrentado grandes pragas nos últimos tempos com o aumento da população das cidades e, uma doença contagiosa, poderia colocar em risco todo o asilo Candlestick e até o programa de recuperação das madalenas penitentes.
— Você! — Se dirigiu a Mary. — Verifique se ela tem febre.
— Como não vai ter febre se nem se levantar... — Disse Katherine interrompida bruscamente.
— Silêncio, Sarah!
As duas palavras vieram acompanhadas de um olhar furioso de irmã Hollie que já havia decidido que Katherine era seu desafio pessoal. A intrépida moça era uma obra que ela queria ter o orgulho de, em algum tempo, dizer que tinha atingido seu objetivo maior, a missão que assumira desde seu primeiro dia como serva de Deus naquele asilo e que não seria uma reles interna que ia colocar isso em risco.
Enquanto Mary obedeceu e se aproximou de Ágatha, a freira encarou as doze jovens com aquele ar de autoridade do qual parecia nunca se desfazer. Elas sabiam que, provavelmente, depois de um olhar como aquele, ela diria palavras duras travestidas de cuidado religioso. Era o modus operandi dela. Era o modo de agir das religiosas encarregadas daquele sistema.
— Eu sempre digo que Deus conhece até mesmo seus pensamentos. — Disse sem nenhuma sombra de dúvida ou remorso. — O que está acontecendo à Ágatha nada mais é que o cuidado de Deus que deseja salvar sua alma da degradação do pecado. — Dedicou um olhar profundo e ameaçador a Katherine.
— Ela está ardendo em febre. — Disse Mary chorosa. — Está delirando também.
— São os demônios do corpo dela sucumbindo ao cuidado de Deus! — Exclamou. — Se não querem que ele decida recolhê-las do mundo do pecado para prosseguir sua educação da maneira que nos orienta a fazer e muitas não desejam obedecer... não ousem sequer pensar em coisas que vão contra seus ensinamentos. Pensem apenas em rezar e trabalhar! — Exortou-as. — Bom, vocês têm dez minutos para se preparar para o café da manhã e, logo, para o trabalho. Mary, você não vai para a oficina hoje! Desça, pegue seu café e suba com o de Ágatha. Hoje ela é sua responsabilidade exclusiva!
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Marcadas pelo Pecado - DEGUSTAÇÃO
Historical FictionROMANCE DE ÉPOCA LÉSBICO. E se a lady não se encantasse pelo marquês e, sim por uma bela plebeia de cabelos loiros e olhos azuis que vai desordenar sua vida? Inglaterra, 1872. No auge da Era Vitoriana, vários países da Europa mantém casas de trabal...