4 - Entre nós

797 50 14
                                    

Juliet sorriu sem perceber a imensa felicidade que lhe produzia o fato de que Katherine a considerasse parte de seu mundo e a incluísse em seus planos e projetos futuros. Apesar de não reconhecer o entusiasmo que sempre sentia na presença daquela moça, pois não havia vivido praticamente nenhum sentimento semelhante, não podia negar o quão afável era aquela experiência. E, naquele momento, nem sequer queria fazê-lo.

Algo acontecia dentro de seu coração que, mesmo em meio a tanta aflição provocada pela rigorosa rotina carente de qualquer sensação de brandura ou afeição, as interações com Katherine lhe forneciam tanta ternura como ela jamais havia sentido. Seus grandes olhos azuis vibrantes, seus sorrisos carregados de sonhos, sua loucura completamente necessária para sobreviver à realidade, sua insubmissão imprescindível para deslocá-la daquele lugar, seu jeito provocativo que lhe chacoalhava e sua ousadia em ser livre mesmo vivendo aquela clausura cabal, produziam uma emoção tão doce em Juliet que chegava até mesmo a assustá-la.

— Esse sorriso quer dizer sim? — Indagou Katherine com anelo.

No tempo que compartilharam a dor daquele suplício, Katherine aprendera a ler Juliet como nenhum ser humano jamais havia se interessado em fazê-lo, com exceção de sua mãe. Em muito pouco tempo, conhecia o sentido do mover ou do transmutar de qualquer partícula de sua expressão. Sabia o que significava o arquear de sua sobrancelha, o sutil curvar de seus lábios antes e durante um sorriso, qualquer pequeno estreitar de suas pálpebras sobre seus olhos demonstrando desconfiança, o encolher do pescoço entre os ombros quando sentia medo e até o atípico hábito de levantar o queixo quando estava completamente segura de algo. Também sabia reconhecer quando uma rara chispa de felicidade se manifestava bem no fundo daquela íris castanha que não lhe deixava nenhuma dúvida de que era a mais bonita que ela já havia visto.

Entretanto, por se tratar de um convite implícito tão significativo, Katherine teve dificuldade de decifrar as reações de Juliet a ele. Tinha medo de perder-se dela entre a esperança e o desespero, a resistência e a resiliência, a coragem e a imobilidade. Rebelar-se exigia muita valentia e, apesar de saber que Juliet a possuía de maneira abundante, a vida a havia obrigado a se comportar com tanta estoicidade que, quem não se interessasse por conhecê-la bem, poderia até confundir sua docilidade com covardia. Mas esse não era o caso de Katherine.

— Isso quer dizer que eu não vejo a hora de sair daqui... — Juliet se interrompeu e encarou a amiga com meiguice — com você!

Agora o sorriso de ilusão era compartilhado, pois ambas possuíam um inestimável segredo que, por ora, era suficiente para salvaguardar suas vidas que o desalento colocava em risco. E em um local como aquele, a ilusão de um futuro distinto era a única possibilidade de não sucumbir às trevas da completa amargura.

***
Nos dias que se seguiram, as internas do asilo Candlestick compartilhavam uma mescla de melancolia e objeção silenciosa. Notava-se no ar um clima de revolta e rebelião para as quais algumas freiras acreditavam que o trabalho, o silêncio e a oração fossem suficientes para suprimir. Algumas, menos irmã Margaret e irmã Hollie.

Aquele lugar jamais voltaria a ser o mesmo depois da morte de Ágatha. Ao mesmo tempo em que as meninas temiam ser seduzidas pela mesma ilusão de alívio que a levara aquela decisão irreversível, todas sabiam que só havia uma maneira de evitá-la. Cada uma à sua maneira, junto à interna, ou mais de uma, em quem mais confiava, repercutiam aquele acontecimento e as consequências dele na vida de todas.

Irmã Hollie, notando a latente proximidade entre Juliet e Katherine e percebendo a atmosfera de sublevação no ambiente decidiu usar toda sua sagacidade para cortar o mal pela raiz. Ela tinha certeza que a presença da antiga interna do Madelin Residence colocava em evidência essa perigosa atmosfera. Como não conseguia atingir Katherine pelas vias comuns, lançou mão de um artifício que ela sabia que a alvejaria – Juliet, que já se tornara o calcanhar de aquiles daquela oponente que era mais forte do que ela queria admitir.

Marcadas pelo Pecado - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora