Marcadas pelo Pecado - DEGUSTAÇÃO

1 - Esperanças revividas

Londres – 1872
Não se ouvia nenhum som na austera capela octogonal da Magdalen Residence, na Blackfriars Road, naquela soturna manhã de outono, senão a voz do padre Williams. A imponente construção, recém inaugurada, comportava quinhentas pessoas e estava lotada. No centro dela, expostas como atração principal do espetáculo, as próprias madalenas penitentes, a menina dos olhos de ambiciosos empresários, religiosos e muitos nobres.

Aquela era uma manhã atípica. Juliet e mais trinta e nove internas do asilo Candlestick haviam recebido a permissão para assistir à missa daquela instituição que era o maior símbolo do sucesso do programa de recuperação de pecadoras desviadas. Não era nenhum prêmio para elas. Como se houvessem sido despojadas de toda sua humanidade, haviam se tornado propriedade da Igreja e eram expostas conforme a vontade dos filantropos que mantinham aquelas casas de penitência como troféus do sucesso de suas boas obras.

Oficialmente, cada um tinha uma função. O asilo Candlestick acomodava meninas pobres, em risco de serem seduzidas, que eram enviadas para morar ali, muitas vezes por suas próprias famílias, onde seriam educadas como criadas e aprendizes recebendo a oportunidade de se dedicar ao trabalho digno longe do pecado. A London Magdalen Residence, por sua vez, era o espelho de tudo o que a Igreja Anglicana dedicava às mulheres inglesas. Ali as madalenas eram expostas semanalmente, assumindo que tudo o que precisavam em suas vidas era: oração, alimentação saudável, e trabalho industrial útil na produção de tapetes sem sequer a tão aparente distinção de classes da sociedade.

Padre Williams mais pigarreava que falava, mas não abandonava sua missão de incutir nas mentes de todas àquelas mulheres que assistiam ao sermão, o caminho de Deus. E também de dar à curiosa plateia, que pagava caro pelo ingresso, a oportunidade de ver as madalenas penitentes e o quanto estavam dedicados naquela missão. Nenhuma delas podia desviar os olhos ou mover sequer a coluna enquanto ele falava.

O domingo era o dia mais importante para os diretores da instituição, pois além de conseguir demonstrar à sociedade londrina a eficiência do método filantrópico aplicado na casa das penitentes, evidenciava às jovens que estavam ali reclusas a possibilidade de ter de novo contato com o mundo exterior. Entre elas, a atenta Juliet não tirava os olhos ou desviava os ouvidos de cada palavra dita pelo pároco.

— Devemos a todo momento — advertia o velho padre — antever uma recaída, e dela resguardar-nos por meio de uma escrupulosa cautela, e um regime visivelmente severo. Os apetites podem ser fortes, e os desejos irregulares; mas estes devem ser obstinadamente controlados. E esse controle só é possível através de uma incondicional dedicação à Deus e ao trabalho. A indolência leva ao pecado.

Sem que seu corpo obedecesse à postura livre de curiosidade e de pecados, Juliet viu seu olhar desviar-se para o de uma jovem com grandes olhos azuis intensamente vívidos, que mesmo com aquele uniforme sem graça das madalenas ainda demonstrava tudo o que ela deixara para trás desde o dia em que seu pai a abandonara aos cuidados da Irmã Margaret, a Madre superiora do asilo Candlestick, e que ela via cada vez ficando mais distante por trás daqueles portões sempre fechados à ela e a qualquer de suas vontades anteriores.

Como se ignorasse completamente às ameaçadoras palavras do padre Williams, aquela desconhecida fez um sinal para Juliet, mordeu seu lábio e fez algumas poses sensuais, antes de desprezar seu corpo sobre a cadeira chamando a atenção da irmã Hollie.

Lentamente como sempre se moviam as mulheres de Deus, a religiosa se aproximou da jovem para ver se ela se sentia bem e, obviamente, não permitir que ela estragasse o espetáculo bastante lucrativo para todos os envolvidos. Todos, menos as madalenas. A jovem, em outra clara atitude de desafio, sorriu de maneira enérgica, quase depravada, o que representava um risco maior para a encenação do que se ela desfalecesse.