Lumérida

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A luz do crepúsculo tingia o céu de tons alaranjados, enquanto Navi e Mizane se afastavam da estrada principal, adentrando a floresta que circundava Lumérida. A densidade das árvores aumentava gradualmente, proporcionando uma sensação de isolamento e misticismo. Raios de sol filtravam-se por entre as folhas, criando padrões de luz e sombra que dançavam no chão coberto por uma camada de folhas secas.

- Esta floresta é bem diferente daquela de onde eu vim. - observou Navi, sua voz ecoando entre as árvores altas.
Mizane, concentrada em sua tarefa, acenou afirmativamente sem desviar os olhos de suas atividades. Ela escolheu um local estratégico para o acampamento, afastado o suficiente para evitar a atenção indesejada, mas próximo o bastante para alcançarem a cidade ao amanhecer.

Enquanto o crepúsculo se aprofundava, Mizane começou a montar um abrigo improvisado usando folhas longas e galhos entrelaçados. Navi, curioso, observava cada movimento, absorvendo os detalhes da habilidade de sobrevivencialismo da mulher. Mizane, após montar os abrigos, retirou uma pederneira de seu bolso e montou uma fogueira rápida dentro de um buraco que ela mesmo cavou e encheu de folhas e galhos secos.
- O que estamos fazendo? - Perguntou Navi, recostado em uma rocha.
- Antes de entrar pra dentro da cidade, precisamos de um disfarce pra você - Respondeu ela de imediato.
- Disfarce? - Disse Navi acariciando o animal que lhe serviu de montaria até agora, enquanto a pirata arrancava as selas e estribos.
- Sim. Algumas criaturas não são muito fãs de humanos, muito menos de forasteiros. Você, convenientemente, é os dois. - O tom irônico de Mizane estava começando a incomodar Navi. - Venha. Se aqueça na fogueira. Você vai acampar por aqui enquanto providencio tudo para você. Amanhã, ao nascer do primeiro sol, tomamos caminho a pé.

A clareira, agora iluminada pela luz da fogueira, tornou-se um local aconchegante. Mizane indicou a Navi sua tenda improvisada, e enquanto ele se acomodava, ela permanecia alerta, vigilante na escuridão da noite.

A noite avançou como uma melodia suave, e Navi despertou com os primeiros raios do sol. Ele ficou em pé, esticou a coluna se espreguiçando, coçou a nuca caminhando em direção a fogueira, vendo Mizane preparar o café da manhã. Ela, por sua vez, ajoelhada em frente a fogueira, esticou uma concha de madeira cheia de líquido, que ela mexia em uma panelinha de lata.
- Isso é café? - indagou Navi, despertando totalmente.
- Eu não sei como chamam isso na sua terra, mas aqui não leva esse nome. Beba, eu fiz pra você. - respondeu Mizane, sorrindo.

Navi notou que o líquido, embora tivesse cheiro de café, era de um tom claro e esverdeado. Assim que tomou, o efeito foi imediato. O corpo de Navi começou a se arrepiar partindo da ponta de seus pés, até a raiz de cada fio do seu cabelo. Era como se ele estivesse irradiando energia de dentro de si. Do mesmo jeito que a sensação lhe tomou, ela cessou.
- O que aconteceu? - Perguntou o garoto olhando para as próprias mãos.
- Funcionou. - Respondeu a garota - Você está praticamente disfarçado.
Navi pegou a faca de Mizane que repousava no chão, e a usou de espelho. Sua aparência continuava inalterada. O mesmo cabelo dourado, as mesmas feições esqueléticas no rosto, embaixo da pele jovem e dos mesmos olhos... tudo permanecia inalterado.
- O que funcionou? - Disse o rapaz.
- Seu cheiro. - respondeu ela com franqueza, batendo na ponta do nariz com o indicador, como se fosse natural para ele entender isso.
- O que tem meu cheiro? - Perguntou o garoto, levantando os braços e tentando inalar as próprias axilas.
- O cheiro do seu corpo mudou. Os humanos possuem cheiros muito específicos, e metade dos pensantes conhecidos de Zorath podem sentir esse cheiro, de uma distância considerável. Fiz um pequeno elixir com folhas, que o velho Amze me ensinou... funcionou. seu cheiro está diferente.
- E minha aparência? - Perguntou Navi. Não fazia sentido nenhum, mas até aqui em sua jornada, nada fazia.
Mizane levantou, foi até sua bolsa, puxou duas coisas de dentro e arremessou na direção de Navi.
- Vista - disse ela. - Você estará totalmente disfarçado.
Os itens que Navi recebeu, era uma peruca feita com filetes longos e verdes, que caíam suavemente como se fossem pequenos cipós e uma túnica feita com um tecido naturalmente envelhecido, que cobria a cabeça e o restante de seu corpo. Mizane disse:
- Assim, você pode se passar por um botânico aspirante. Se alguém perguntar, a única coisa que você vai dizer, é que o velho Amze te mandou até a cidade para fazer algumas compras. Se te questionarem, diga apenas que você é um aprendiz.

Com as instruções e o disfarce prontos, Navi e Mizane saíram da floresta e voltaram para a estrada, dessa vez a pé. A cidade estava longe e já mostrava o quanto ela era intimidadora. Ao se aproximar mais, Navi podia ver detalhes do portal de entrada.

O portal, construído com o que aparentava ser madeira de navio, erguia-se imponente com dois pilares rígidos, desgastados pelo tempo e tingidos de um branco desbotado. No topo do arco, a proa de um navio esculpido exibia orgulhosamente as runas que identificavam a cidade: Lumérida. Contudo, o que mais capturou a atenção de Navi foi a figura de proa adornando aquele pedaço de embarcação reciclado. O ornamento assemelhava-se a um crânio de arara, embora o bico fosse notavelmente menor em relação às dimensões ampliadas da cabeça. Navi percebeu que aquilo realmente era o crânio de uma criatura morta. A parte frontal da cabeça de cálcio era quase do tamanho da própria proa do barco e estava amarrado com cordas grossas. Ao redor do bico, protuberâncias criavam a ilusão de um imenso serrote, e onde os olhos deveriam estar, quatro perfurações, sendo duas em cada lado, adicionavam um toque enigmático e assombroso à figura.

Na altura dos olhos de Navi, uma placa com runas vermelhas claramente escritas a mão, devido às marcas de tinta escorrida entre um símbolo e outro, marcava a seguinte frase:

Não poderia desejar aos visitantes as boas-vindas à cidade de Lumérida. Este é um porto sem lei. Somos renegados e ladrões. Se por acaso você for roubado, a culpa é sua. Se você reagir, não será retaliado.
Navi não pôde deixar de expressar seu sarcasmo diante da saudação peculiar:
- Muito amigável. - comentou, olhando para Mizane. A pirata, por sua vez, respondeu com uma explicação:
- Essa placa é mero sensacionalismo. Muitas luas atrás, este porto era rico e próspero, repleto de rotas de comércio terrestre. No entanto, após as guerras, a floresta consumiu todos os caminhos e selou as fronteiras. Agora, o único caminho que conduz à cidade é a estrada que nos leva à casa de Amze. E, convenhamos, não poderia haver um lugar melhor para se esconder. Além disso, o velho também precisa fazer compras, então a trilha para a casa dele é a única visível. Vamos entrar e ser rápidos. Só preciso encontrar alguém em uma taverna próxima ao porto, e então seguimos nosso caminho.

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