Eu não sei quem sou

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Nunca me senti tão grata por ver o Pedro vindo em minha direção. Eu estava paralisada. O homem de quase 2m convulsionava na minha frente e eu não conseguia fazer nada. Será que eu queria fazer alguma coisa? Ele me agrediu. Tentou me estuprar. Eu não ligo se ele morrer nesse momento. Comecei a tremer e tentei afastar esses pensamentos. Eu não sou assim. Não posso deixar a raiva me consumir. Tateei o chão em busca dos meus óculos. A armação azul bebê se destacava levemente mesmo na escuridão - que sorte, pensei ao perceber que a lente estava inteira. Quando o mundo se tornou nítido novamente, me assustei. A mão daquele homem enorme estava em carne viva. Queimadura de terceiro grau? Como isso aconteceu? Subi meu olhar para seu pescoço, que exibia uma queimadura em forma de colar. Seu rosto estava branco e suado, como se estivesse sofrendo uma parada cardíaca.

- ISA! - gritou Pedro, me arrancando do torpor. Ele correu em minha direção, ignorando o homem que morria em minha frente. - Você está bem? Ele te feriu? - Pedro indagou enquanto seus olhos passavam pela minha blusa rasgada. Tentei puxar os pedaços de tecido restante para esconder a lingerie que estava à mostra, mas ele não parecia se importar. Acompanhei seu olhar para minhas pernas. O jeans estava sujo de sangue, mas a ferida aberta agora estava coagulada e coberta por uma casquinha, quase totalmente cicatrizada. Como isso era possível? Pela extensão do ferimento, deveria demorar pelo menos umas duas semanas para estar nesse estágio de cicatrização, mas só se passaram alguns minutos... - Isabella, fala comigo.

- Desculpa. Sim, eu estou bem. Mas você precisa ajudá-lo. - disse, apontando para o homem musculoso caído há poucos metros de mim. Ele não estava convulsionando mais, mas sim assustadoramente parado. Pedro não dispensou nem ao menos um olhar para o cara, mas pude perceber um lampejo de hesitação ao direcionar suas mãos para mim, que rapidamente foi substituído por certeza. Ele me ajudou a levantar, abraçando para me proteger do frio. Só nesse momento percebi que eu estava batendo os dentes. Realmente era uma noite gelada com vento frio, mas eu não sentia frio. A adrenalina que corria pelo meu sangue impossibilitava isso. O tremor não era frio, era medo. Não tive tempo de explicar isso para o Pedro, que mal havia me levantado e já me puxava com rapidez até o final da rua, onde eu morava. Pensei ter escutado um grito, mas não confiava em meus sentidos naquele momento.

O porteiro não estava lá. Ótimo, pensei. O que ele acharia se me visse chegando seminua abraçada com o namorado da minha melhor amiga? Peguei a chave no meu bolso e entreguei a Pedro, ainda anestesiada. Ele abriu a porta e me levou para meu apartamento. Quando sentei no sofá, desabei. Comecei a chorar compulsivamente. Lágrimas desciam sem parar em meu rosto enquanto eu tentava enxugá-las. Percebi que estava piorando a situação, já que minhas mãos estavam sujas de areia e pequenos pedaços do asfalto. Precisava de um banho. Quando abri a boca para dizer isso, Pedro me interrompeu.

- Você acha que consegue tomar banho sozinha? Vou ligar para Jess. - Acenei positivamente com a minha cabeça entrando para o banheiro. Escutei a porta da sala se fechando. Por que ele precisava sair do apartamento para conversar com a Jess? Não fazia sentido. Afastei esse pensamento e me concentrei em desembolar os nós do meu cabelo. Porser fino, um leve vento já criava dezenas de pequenos nós nas ondas. Tirei meus jeans rasgados, joguei minha blusa de botões - ou o que sobrou dela - diretamente no lixo e terminei de me despir, indo para o chuveiro. Assim que liguei o chuveiro e a água começou a descer, limpei todo e qualquer vestígio de sangue em meu corpo, esfregando até começar a ferir minha pele em todos os lugares que aquele homem havia me tocado. Novamente me surpreendi com a cicatrização do meu joelho. O que aconteceu com aquele homem? Ouvi o som de sirenes policiais e congelei. E se eu tiver matado uma pessoa? E se eu for presa? Mas eu não fiz nada! Ele simplesmente... se queimou? Não tinha como ser minha culpa. Ele deve ter sofrido uma parada cardíaca e já tinha aquela queimadura. Não posso confiar na minha visão sem óculos. Até porque não faz o menor sentido. Será que o Pedro saiu para ajudá-lo? Escutei a porta se abrindo novamente e fechei a torneira do chuveiro. Enxuguei-me, torci meu cabelo o máximo possível e coloquei o roupão que fica pendurado atrás da porta. Ótimo, pensei. Eu tinha que ter esquecido uma muda de roupa nova.

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