Olhando meu reflexo

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Encarei aquela cena sem entender. Não que fosse estranho acordar e encontrar o Pedro, muitas foram as vezes que ele passou a noite em minha casa nesse último mês - a parte estranha era que a Jéssica não estava lá. Prendi meu cabelo em um rabo-de-cavalo alto. Pode parecer estranho, mas isso sempre me ajudava a pensar melhor. Pedro parecia ter notado a confusão no meu semblante. 

- Nenhum xingo por te chamar de Bella? Você está realmente confusa. – disse Pedro com um sorriso torto. – Infelizmente nós vamos perder a clínica hoje. 

- Nós? – indaguei. Costumo ser mais impetuosa que isso, mas eu estava cansada e confusa. Não tinha percebido o quão cansada e confusa estava até esse momento. Acordar atrasada e sair correndo para a faculdade era um hábito para mim, foi simples seguir o piloto automático.  

- Preciso que você se sente. – disse Pedro, descansando a xícara de café na mesinha de madeira ao lado do sofá.  

- Primeiro você vai tirar essa xícara daí e colocá-la por cima do pires. Essa mesa era da minha avó, não quero que manche. – Pedro revirou os olhos, mas obedeceu.  

- Tudo bem, mas vamos focar no que importa agora. Você se lembra do que aconteceu ontem?  

- Você diz a parte que eu quase fui estuprada ou a parte que eu quase matei um homem ou a parte que estamos escondendo isso tudo da Jess e você tá agindo mais estranho que o normal? – quase gritei, cuspindo as palavras. O estresse começou a me consumir, percebi ao sentir minhas jugulares pulsando.  

- Ok, não foi minha intenção te irritar. Se você não se acalmar, essa coisa vai explodir. – respondeu Pedro apontando para as veias em meu pescoço. Sempre me estresso quando me dizem para ficar tranquila, mas de alguma forma o olhar de Pedro transmitia tanta empatia e calma, que consegui me conter um pouco. – O quanto você gosta de fantasia? – disse ele, se divertindo com sua própria tentativa mal sucedida de piadinha com duplo sentido. – Digo, ficção, histórias incríveis e tudo mais.  

Pensei em meu notebook carregando na mesa de estudos que fica no meu quarto. Se ele o abrisse agora, teria pelo menos 5 livros diferentes de mundos fantásticos que eu estava escrevendo. Se olhasse minha estante, centenas de livros de fantasias e distopias, dividindo espaço com algumas poucas dezenas de clássicos e de romances policiais. Eu era uma mulher de 21 anos completamente apaixonada por viver mundos juvenis quando lia. Senti minhas bochechas esquentando levemente – eu tinha um pouco de vergonha de admitir isso. Levantei o olhar e pude perceber Pedro erguendo as sobrancelhas com um semblante de dúvida em seu rosto, possivelmente imaginando o porquê de eu estar corando por uma pergunta tão simples.  

- Muito. – respondi, contida.  

- Ótimo. – ele pigarreou. Olhei em seus olhos e percebi que ele lutava para encontrar as palavras certas.  

- Não sabe o que dizer? – arrisquei dizer. Ele acenou que sim com a cabeça. 

- Você me deixa sem palavras. – ele falou em tom de brincadeira, mas pude perceber que estava um pouco nervoso. 

- Tudo bem, namorado-da-minha-melhor-amiga, pode ir direto ao ponto. – respondi, sentando-me ao seu lado. Ele parecia confuso. 

- Eu me preparo para isso há uns 3 meses e estou aqui sem saber como começar, patético. – franzi as sobrancelhas ao escutar isso. Será que ele nem ao menos sabe há quanto tempo namora a Jess? A gente nem se conhecia, como ele se preparava para conversar comigo? Na verdade, até ontem nossa relação era tão superficial. Não faz sentido, pensei. Ultimamente esse pensamento ocupava muito tempo em minha cabeça. Meu celular vibrou. Peguei o aparelho em meu bolso e vi uma mensagem da Jess perguntando onde eu estava. Merda. Apontei o celular para o Pedro, que digitou uma mensagem e mandou. – Você está com uma crise de enxaqueca, ok? E eu não faço essa matéria com vocês, então tudo bem. – concordei silenciosamente. – Feche os olhos.  

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