Você é outra pessoa

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Eu fiquei sem palavras. Talvez pelo mundo incrível que estava diante dos meus olhos, talvez pela beleza estonteante de Catarina em seus 40 e poucos anos. Ela parecia reluzir, entornando bondade a sua volta. Praticamente esqueci o enjoo causado pelo portal ao ouvir sua bela voz se direcionando a mim. Percebi que eu continuava caída de joelhos e levantei rapidamente, envergonhada. Será que eu deveria fazer uma reverência? Acho que não, o Pedro teria me falado. Não é como se ela fosse uma rainha, ela só é a líder desse lugar. Líder de uma cidade em outra dimensão. Uma dimensão que eu acabei de chegar. Por um portal. Numa árvore. É tão difícil não achar que estou perdendo minha cabeça, mas, apesar de tudo, parece tão real.

- Obrigada. - respondi. Um oceano de perguntas se agitava em minha mente, mas eu não sabia por qual começar. Por sorte, Catarina se manifestou antes que eu tentasse formular alguma.

- Imagino que é muito difícil para você, Isabella. Peço perdão por não termos te contatado antes, mas creio que o Pedro a explicou a razão disso. - balancei minha cabeça em um sinal positivo. Ele realmente falou, eu não entendi muito bem, mas aceitei a explicação. - Venham comigo, tenho algumas coisas a te contar.

Olhei para Pedro, que me deu sinal para continuar. Andamos em silêncio em direção a uma construção enorme e poderosa, que lembrava as Catedrais europeias do século X. Durante nossa pequena caminhada, a turbulenta correnteza de perguntas que assombrava minha mente se transformou no Mar Morto. Eu só conseguia admirar tudo aquilo. As redondezas da cidade eram marcadas por uma densa e bonita floresta, que nos contemplava com um confortável coral de pássaros. A Catedral era, de longe, a maior e mais imponente construção do lugar. Parecia se localizar no centro do arco que era visível aos meus olhos. À sua volta, construções menores estavam distribuídas. Estas também possuíam o estilo arquitetônico gótico, mas sem grandes cúpulas e com ogivas menos pontudas. Eram mais discretas, mas também muito bonitas. Passamos em frente a essas construções e pude notar diversas pessoas de diferentes idades entrando e saindo do que parecia ser um centro de treinamento. Os habitantes lançavam um olhar curioso para mim.

Direcionei meu olhar ao leste para focar na enorme arena que ali se encontrava. Algumas duplas lutavam naquele espaço. Alguns com espadas, outros em combate corpo-a-corpo e outros, ao que pude perceber, usando seus poderes. Assustei-me ao ver um menino com cerca de 19 anos lançando uma bola de fogo em direção a uma menina de, no máximo, 15 anos. Ela não pareceu se assustar e apagou aquele fogo antes que pudesse se aproximar mais dela, enquanto o menino foi jogado uns 4 metros para trás devido a uma corrente de ar fortíssima aparentemente lançada pela menina. Incrível. Atrás de toda essa agitação, existia um outro conjunto se construções menores, complementando o arco. Aquele conjunto parecia diferente desse que eu estava passando na frente, como se fossem casas. Mal percebi quando estávamos entrando naquela imensa Catedral.

- Aqui é a Academia. - assustei-me com o sussurro de Pedro. - Esse prédio é como nosso ensino fundamental, médio e faculdade. Misturado. Pode ser um pouco infernal por isso, mas é interessante. Aqui aprendemos sobre nossa história, sobre o caráter psíquico das nossas habilidades e como controlá-las. Na teoria. Aquelas casas que a gente acabou de ver são outros locais de treinamento, cada uma mais focada em um tipo de habilidade. Sabe? Elementos da natureza, tecnologia, força bruta, controle mental. E o lugar que o pessoal estava treinando no meio é a Arena. Ali, todos se juntam para treinar habilidades diferentes de combate. Atrás da Academia você não conseguiu enxergar, mas ali é a parte mais normal. Onde as pessoas moram, temos algumas fábricas para ajudar no abastecimento daqui também. Alguns meta facilmente conseguiriam produzir insumos suficientes, mas isso possivelmente os esgotaria e é mais arriscado depender somente deles. - ele gesticulava apontando para todos os lugares enquanto os descrevia. Ele parece gostar muito do lugar, não entendo bem porque resolveu sair para fazer uma faculdade mundana.

- Você morava ali então? Quando não estava na faculdade? - perguntei enquanto distraidamente passava a mão por meus cabelos. Pedro pareceu observar o movimento com certo encanto, mas rapidamente desviou seu olhar para frente e pigarreou antes de continuar.

- Não. Meu pai é... ele faz parte da liderança. Nós ficamos nas casas do outro lado da Arena. - eu tinha algumas perguntas a fazê-lo, mas Catarina nos direcionou a uma sala espaçosa à esquerda da entrada. Ela sentou-se na grande cadeira atrás da mesa, oferecendo os locais a sua frente para sentarmos.

- O meu maior objetivo como líder daqui é que os meta-humanos mantenham uma convivência pacífica com os mundanos, que não devem saber da nossa existência. Há centenas de anos essa divisão não era clara e, por isso, houve muita guerra, caça às bruxas e destruição. Hoje, o único resquício da nossa existência encontra-se nas histórias de fantasias que os mundanos tanto adoram. No entanto, para eles, não passa disso. Histórias. E nossa intenção é que continue assim. Por isso, Isabella, nossas regras são simples. Todos devem frequentar a Academia até aprenderem a controlar seus poderes ou para aprimorá-los. O Pedro, por exemplo, escolheu sair do Initium há 3 anos e ir para uma faculdade mundana. No entanto, ele mantém seus treinos. Não somente porque deseja evoluir, mas porque a habilidade dele é muito importante. Não sei até que ponto ele lhe explicou, mas recentemente, com o aparecimento de mutantes como você, precisamos de mais detectores. O poder dele não é exatamente esse, mas é de grande valia para isso. Assim, como ele teve esse primeiro contato com você, percebemos, em outras ocasiões, que ele é a melhor pessoa para te orientar mais de perto. Você vai conhecer a Carla, que é igual a você. Vocês poderão conversar melhor depois.

Então o Pedro não estava brincando com aquela história de mentoria. Pelo que pude entender, ele vai ser meu tutor. Um contato mais próximo que o resto para que eu me adapte e aprenda a controlar minhas habilidades. Não é a pessoa ideal, mas poderia ser pior. Eu acho.

- A outra regra importantíssima é: não se revelar aos humanos. Infelizmente, isso é extremamente necessário devido ao histórico que lhe falei. Por último, mas não menos importante, não devemos usar nossos poderes para o mal. Eu não gosto de punições, mas infelizmente fazemos o uso delas caso a reabilitação não seja possível. O meta-humano que tenta ferir algum mundano ou meta-humano sofre uma intervenção. Tentamos entender as causas, buscar uma redenção. Caso não seja possível, ele é condenado a prisão perpétua. Ela fica localizada no subsolo, mas não se preocupe. Pouquíssimos são esses casos e ela é bem protegida.

Pedro esteve calado e praticamente imóvel durante todo o discurso de Catarina. No entanto, vi um vislumbre em seu olhar. Raiva? Revolta? Tristeza? Antes que eu pudesse interpretar, essa luz dissipou-se de seus olhos, que voltaram à cor piche habitual.

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⏰ Última atualização: Mar 30, 2021 ⏰

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