1. O ensaio da coroação

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O sol sempre nascia manhoso no Norte da Terra das Quatro Estações, o reino do Inverno. Os aldeões despertavam antes do astro e iniciavam suas rotinas de trabalho nas plantações que a Rainha protegia da neve. Com sorte, a colheita seria farta e terminaria antes do dia da coroação do herdeiro do trono.

No palácio Invernal, os preparativos já haviam se iniciado. Para cima e para baixo, os criados carregavam toalhas de mesa, louças preciosas e tudo mais que seria preciso para o ensaio do grande dia. Aquele que marcaria o início de um novo capítulo para a história das terras congeladas.

Mafuyu acordou bem antes de o sol sequer dar indícios de que subiria e encontrava-se encurralado na arena de combates, por Hiiragi, seu irmão.

Ele segurava a espada com as mãos suadas, apesar do frio sisudo e costumeiro perguntando-se como aquele simples treino matinal havia ficado tão intenso. Hiiragi sempre foi um oponente mais do que digno — o único em todo o reino que podia lhe vencer em um combate —, mas seus ataques eram especialmente agressivos naquela manhã. O ruivo tentava refazer seus passos mentalmente, procurando algum erro que houvesse cometido, um golpe aplicado de forma desleixada, que justificasse a hostilidade acentuada do irmão.

Entretanto, não conseguia entender o que poderia estar acontecendo. O que lhe restava era revidar.

Hiiragi quase se sentiu intimidado quando viu o jovem ruivo avançar em sua direção, pegando impulso para saltar e fazer um ataque aéreo. As sobrancelhas rúbeas quase se juntando enquanto ele soltava um grito catártico. A empolgação em seu golpe fez um arrepio percorrer a espinha do outro, seus instintos reconhecendo em Mafuyu uma ameaça.

Por pouquíssimos centímetros, a espada cortou o ar diante dos olhos arregalados de Hiiragi. Este caiu sobre as próprias costas, mas não deixou a desvantagem lhe conter. Assim que os pés de Mafuyu tocaram o chão, o loiro enroscou suas pernas, derrubando-o também.

— Nada mau, alteza! — ele provocou Mafuyu, enquanto aproveitava a oportunidade de chutar para longe a espada do oponente, largando a sua própria.

O ruivo soltou um suspiro frustrado, mas, antes que pudesse fazer qualquer investida na direção de Hiiragi, foi prensado contra o chão pelo corpo do irmão sobre o seu. O antebraço dele pressionando seu pescoço tão fortemente que Mafuyu já não conseguia pensar em qualquer coisa, além da perspectiva de uma morte jovem.

Sentia o sangue pulsar nas orelhas.

Então, fechou os olhos. Convicto. Sabia que, naquela posição, Hiiragi tentaria invadir sua mente com seu poder de nascença de manipular aquele com quem seus olhos se encontrassem.

— Vamos lá, você está com medo? — Hiiragi rosnou perto de seu rosto e soltou uma risada irritada — Decisão muito sábia, maninho. Eu teria feito você arrancar a própria língua!

— Não sem a ajuda de seu poder — Mafuyu rebateu com um fiapo de voz. Mal tinha ar nos pulmões, mas não deixaria uma provocação de Hiiragi passar batida. Inclusive, se pudesse abrir seus olhos, concederia ao loiro um olhar de puro descaso.

— Não me venha com essa — Hiiragi apertou mais o seu braço contra o pescoço de Mafuyu — Numa batalha, você deve usar tudo o que tiver à disposição para sair vivo. A honra é uma noção irrealista.

Mafuyu debateu-se sob o rapaz. Não tinha muito o que fazer naquela posição, então usou a mão livre para forçar o antebraço do outro para trás, a fim de aliviar a pressão em seu pescoço.

Não gostava de se sentir impotente e não deixaria Hiiragi fazê-lo se sentir daquela forma.

— Se continuar com dificuldade de escapar deste meu golpe, devo dizer que a próxima coisa que descobrirá não passar de uma noção irrealista é o seu sonho de se tornar capitão do Exército... — o loiro se aproximou para dizer em seu ouvido — Nunca vou aliviar para você.

Cardeal Seasons and Thriving Hearts | Given (Ritsumafu/Mafuyama)Onde histórias criam vida. Descubra agora