Enquanto a madrugada se assentava, uma nevasca repentina pôs-se a rodear o Palácio Invernal, como se os ventos marcassem território. Por todo o interior do castelo, o uivo gelado se esgueirava para dentro, abrindo e batendo portas e janelas. Num sinal suficientemente nítido de que, se a Rainha tivesse conseguido pregar os olhos, depois do desastre que havia sido o ensaio da coroação naquela noite, estava tendo um sonho muito mais do que desagradável.
Um clarão se acendeu no céu soturno da noite, através da janela do quarto de Mafuyu. A luz trazendo nitidez ao teto que ele encarava lhe arrancou do transe de pensamentos no qual havia se perdido.
Piscou algumas vezes para se acostumar.
Quando o trovão retumbante que seguia o raio estalou no céu, o garoto sentiu uma onda de adrenalina marear seu corpo. Então, saltou do colchão, tateando no completo breu até reconhecer sua adaga sobre o móvel de madeira ao lado da cama.
Munido pela arma e a súbita sensação de que algo estava desalinhado, ele deixou seu quarto.
A luz azulada dos flocos de inverno, que espelhavam o luar — substituindo as chamas das lamparinas — era o que iluminava os corredores e formava sombras que deixavam a guarda do rapaz totalmente alta, e ele vasculhava, revoltado, cada ângulo possível. Até mesmo os olhares dos ancestrais nos quadros, que cobriam as extensas paredes, lhe deixavam arrepiado como um felino pronto para atacar. Ele tentava não tropeçar nos próprios pés descalços, enquanto a ânsia desesperada de se certificar de que Yuki estava bem lhe consumia o ar, fazia seu corpo pesar.
Uma guerra.
Era tudo no que ele conseguia pensar. A imagem do nobre veranil, ameaçando a Rainha, fazia seu orgulho ferido lhe coçar o fundo da garganta. Mafuyu estava certo de que nunca esqueceria a forma como os olhos azuis daquele tal Ritsuka se perderam em meio às chamas de raiva, antes de ele atear fogo no imenso candelabro da sala de jantar e se aproveitar da histeria dos convidados para simplesmente sumir.
Desde aquele momento, Mafuyu se sentia como se houvesse perdido uma aranha peçonhenta de vista. Tinha a impressão de que a qualquer momento aquele homem surgiria, sorrateiro, da mesma forma que desapareceu.
Por isso, o rapaz apertou o passo, esperando que quando alcançasse o quarto de Yuki, o encontrasse dormindo, tranquilo, e não imerso nas chamas pútridas daquele veranil.
Entretanto, quando dobrou o corredor de acesso aos aposentos dos Yoshidas, ouviu ressoar uma voz que ele conhecia bem. Mas, o que não lhe parecia familiar era o tom.
O ruivo se escondeu atrás da parede, para espiar a conversa de Yuki. Tentou espreitar o interlocutor do Yoshida, mas tudo o que a luz de luar das lamparinas lhe mostrava era o capuz preto que se desdobrava em uma longa túnica de aspecto pesado, que se estendia até as panturrilhas do homem alto.
—... Chama aquilo de diplomacia?! Pois eu chamo de vexame! Que lhe arranque as duas pernas se tudo o que eu construí tiver sido em vão, por causa de um veranil excêntrico e tolo! — Yuki exclamou. Uma voz que Mafuyu não reconhecia tentou acalmá-lo — Eles nem mesmo tentam ter alguma discrição! Não importa como olhe para isso, foi arriscado demais, e muito mirabolante. A Rainha pode ser a megera maldita que for, mas, certamente, não é burra para cair em uma provocação tão ridícula!
Mafuyu sentiu sua respiração falhar. Teve que se concentrar para não deixar o uma exclamação de surpresa lhe escapar dos pulmões.
O desconhecido replicou:
— Vossa alteza realmente não sabe a hora de ceder — a voz não vacilou. Era quase inexpressiva — Informarei a eles sobre a sua decisão. Mas, saiba... ela não será exatamente respeitada.
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Cardeal Seasons and Thriving Hearts | Given (Ritsumafu/Mafuyama)
Fanfiction❄ Fanfic de Given, focada no casal Ritsuka e Mafuyu A fantástica Terra das Quatro Estações é dividida em quatro reinos, demarcados pelos pontos cardeais e suas díspares características de fauna e flora. A influência do reino é dada pelo poder que se...