C a p í t u l o 1

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18 anos depois...

—Brianna! — escuto o grito horrendo do meu nome parando imediatamente o que estou fazendo para me concentrar nos passos que já são audíveis. —Garota, já disse duas vezes que tem aula hoje! —Eleonor esbravejou abrindo a porta.

Era tão grata por ter um lar, um teto mais especificamente, Eleonor e Rick me tiraram literalmente do fundo do poço, não sei ao certo quanto tempo mais aguentaria ficar no orfanato que fui criada, as coisas eram escassas e o tratamento pior ainda, eu apenas sobrevivia ali.

As coisas que sei sobre minha origem são tão poucas, filha de algum casal que não se preveniu de uma gravidez indesejada e abandonou a "consequência" em um lugar tão cruel quanto eles. Mas o tempo nos deixa conformados em quanto a isso.

— Eu sei, eu sei, apenas me concentrei mais do que devia nesse desenho. — olho para a mulher de quase cinquenta e cinco anos que pareceu ceder e entender que quando tinha um lápis e um papel em minhas mãos o tempo simplesmente parava. Era só eu e meus pensamentos, não havia nada que me fazia sair do mundo que tinha criado para expressar aquilo que sempre foi abstrato dentro de mim, era tudo tão confuso e ao decorrer dos anos parece ter ficado muito mais.

— Então apresse esses seus passos de lesma, é sua última semana no ensino médio. — disse com os olhos brilhando de puro sarcasmo. A regra de quando fui adotada era que seria como uma filha, mas uma filha que não poderia ser ingrata e abandonar o lar, não até que ao menos Rick fosse dessa para melhor, mas minha professora de artes acabou fazendo minha inscrição para uma bolsa numa importante academia de artes de Manhattan uma oportunidade que Rick me prometeu que não perderia de jeito algum e eu não perdi quando fui aceita.

—O ensino médio me pareceu mais empolgante com você falando agora. — retruco guardando tudo na escrivaninha e pegando a mochila que havia deixado em cima da cama.

— Sua língua me pareceu mais afiada agora, devo a Rick toda essa sua pose de Órfã durona, ele a mimou tanto! — resmunga Eleonor me olhando com uma cara nada agradável, quase esqueço que é sua feição natural. Não respondi sua grosseria, apesar de querer fazer isso, normalmente sou impulsiva demais, quase nunca consigo controlar minha opinião a respeito de algo, e a personificação das trevas na minha frente sempre colocava meu autocontrole à prova.

Gratidão Brianna, Gratidão.

Passo por ela ignorando totalmente suas ofensas, já havia me acostumado com as palavras duras e sua opinião clara sobre a minha rejeição. Sigo em direção ao quarto de Rick que estava de cama por conta dos seus problemas diabéticos e de pressão, sorrio quando o vejo acordado e me aproximo com tanto medo de perdê-lo, ele é a única pessoa que consigo chamar de família.

— Deveria estar na escola, Bria. — adverte fingindo estar bravo, mas eu sempre sabia que ele nunca estava era só pose.

— Eu sei disso, mas fiz um novo desenho, ele ficou tão bonito que até duvidei que fosse real ou feito por mim.

— Criança, você tem um talento invejável, por isso não pode rejeitar boas oportunidades. — era o que ele sempre dizia, e eu sempre me perguntava como alguém tão bom conseguiu manter um casamento com alguém tão ruim? Olhei para o bom velhinho que tinha um sorriso tão doce e reconfortante tentando minimizar a saudade que sentiria dele quando fosse para a faculdade.

—Certo, certo, mas agora tenho que ir senão sua amável esposa me arrancara uma mão. Cuide-se! Tome os remédios certinhos. — deposito um beijo em sua testa e corro para não encontrar com Eleonor.

Eu respirava fundo todas às vezes que saia de casa, era como se tivesse carregando um grande peso nas costas que me impossibilitava de aproveitar as boas dádivas da vida, ou a crueldade da mesma, talvez essa fosse à sensação que se sentia por nunca ter ao menos um conforto de alguém que lhe diga o quanto o ama e faria de tudo para que ao menos pudesse ser feliz. Gratidão sempre foi algo que tive por Rick e Eleonor, porém junto com ela vinha à noção do quanto indesejada era. Não tinha nem ideia da razão pela qual fui adotada por eles, era grata, mas na minha cabeça não fazia sentido, claro que por eles não terem tido filhos tinham um medo de ficarem sozinhos, só que apesar disso ainda não fazia sentido algum.

Brooklyn foi onde cresci, a diversidade do lugar me enchia de esperança de poder me achar em algum cada canto, pois me sentia perdida, o desejo de pertencimento consumia meu interior todos os dias.

******

A hora do almoço havia chegado a escola que frequentava, era tudo muito tumultuado e falante, algumas meninas gritavam toda a animação pela última semana de aula ter finalmente chegado e os garotos apenas existiam, os três anos de realeza chegara ao fim e a ficha caiu que o ensino médio era uma fase, e em breve seria apenas uma lembrança distante.

Sentei em uma das mesas vazias sendo acompanhada dos meus dois melhores amigos.

—Hope, garota você é doida! — esbraveja Alan sorrindo da infame conversa da garota ao meu lado. Hope deu de ombros não dando tanta importância a última coisa que precisava fazer antes do adeus ao secundário. Ficar com um jogador de basquete, esse era seu último desejo e ai poderia ir para a faculdade em paz. — Eles são tão bonitos, mas tão idiotas, burrinhos e tem certeza que quer que eu continue? — Alan ergueu uma sobrancelha em desafio, Hope sabia que ele continuaria e não usaria as melhores palavras.

Eles eram meus melhores amigos desde o meu primeiro dia aqui, unimos nossas línguas afiadas a nossa nada discreta amizade.

—Bria querida, está tão calada, isso tudo é animação contida para o baile de sexta? —perguntou Hope mudando de assunto. Intercalei meu olhar entre eles e suspirei tentando sorrir.

—Não gosto de bailes. Apenas tive um conflito com Eleonor. — aqueles conflitos já eram tão normais que nem surpresos eles ficaram. Minha vida era um livro aberto para os dois.

— Fico feliz que tenha aceitado ir para Manhattan, assim ficará longe da rainha das trevas. —Disse Alan segurando minha mão sobre a mesa do refeitório e sua ação foi seguida por Hope com aquele olhar tranquilizador.

—Sabe que pode contar conosco para qualquer coisa. Bria, somos família. — a garota da lista falou com um singelo sorriso no rosto. Droga! Como iria ficar longe deles? A probabilidade de conhecer amigos que irão pra vida toda é tão pequena, mas minha alma dizia que eles eram, e quando é para ser, você sente e eu sentia.

Minha boca se abriu para mencionar a minha gratidão por eles, porém a voz da diretora Mackenzie ecoou nos altos falantes:

—Brianna Davis, compareça a direção, imediatamente! — sua voz aguda pareceu séria e isso me preocupou ainda mais. Os olhares recaíram sob mim e um misto de confusão se instalou.

O que eu tinha feito?  

A Herdeira : PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora