1 - Remanescentes

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 Vagar pela floresta meio sem rumo no seu único dia de folga da semana era uma das coisas que mais acalmava Thorin. Caminhar, apenas pelo prazer de fazer algo tão mecânico e despretensioso deixava-o sem a costumeira carranca da qual tanto reclamava sua família. "Estoico", "taciturno", "sombrio", eram características que costumavam usar quando se referiam a ele. Mas ele não ligava, afinal fora treinado por seu pai que antes fora treinado por seu avô para estar preparado sempre, para qualquer coisa que pudesse acontecer, boa ou ruim.

Assim ele aprendeu o ofício que toda sua família abraçou depois da queda de Erebor, sua terra natal, muitos anos antes. Abraçando a forja Thorin e seus irmãos aprenderam a moldar aço e metal praticamente desde o berço e tornaram-se os melhores da região ‒ eram os únicos afinal. Ele aprendeu também com seu pai a manejar quase todo tipo de arma que pudessem fabricar: "Nunca se sabe quando vai precisar se defender, ou se um dia terá a má sorte de parar nos Jogos", seu pai dizia. Aprendeu sobre facas, adagas, punhais, espadas, martelos... Era um exímio lutador e espadachim, além de nunca errar um alvo com um arco que utilizava para caçar. Mas aprendeu, além de tudo, que quase nunca coisas boas aconteciam naquela terra esquecida pelos Deuses. Por isso o estoicismo.

Ouvia desde seu nascimento as histórias que seu pai lhe contava sobre seu avô e de como ele e poucos da família conseguiram escapar de Erebor na sua ruína e de como era linda e próspera antes. Era impossível não imaginar como seria se o mundo ainda fosse justo e a casa de Durin ainda prevalecesse, principalmente agora sendo ferreiro, consertando panelas amassadas, fabricando ferramentas e instrumentos para os pequenos fazendeiros e prateleiras de mercadorias no Condado.

Claro que ele não podia reclamar, graças a isso sua família não morreu de fome ‒ por pouco. O que o deixava realmente pensativo, melancólico e com raiva eram as perdas que ele presenciou, não o que ele apenas imaginava, mas o que ele lembrava. Lembrava pouco de seu avô Thror, que morreu quando Thorin ainda era muito pequeno e de sua avó menos ainda, que se foi antes de seu nascimento, mas lembrava do luto que se abateu em sua casa com nitidez já que Thror era a rocha, a base que mantinham sua família unida e sempre focada em sobreviver, mesmo já um pouco senil. Seu pai, Thrain, ficou abatido e um pouco mais nervoso do que costumava ser, mas é claro que piorou muito quando anos depois sua mãe, Fris, também faleceu, quando Thorin ainda era criança e sua irmã mais velha, Dis, ainda uma adolescente, praticamente assumiu o papel de sua mãe nos momentos em que seu pai claramente não estava bem para ser pai, quando a tristeza o consumia.

Sua irmã... Essa era muito forte. Poucos anos se passaram, Dis já estava casada e tinha dois filhos pequenos, Thorin tinha 18 anos e seu irmão mais novo, Frerin, 16 anos, quando seu pai sumiu no mesmo dia que uma explosão na mina em que o seu cunhado trabalhava em Bree o levou. Sua irmã estava viúva, seu pai sumido, dois filhos para criar e dois irmãos ainda adolescentes em suas costas e mesmo assim segurou a família e os chamou para reagir. Thorin não precisou de uma segunda chamada dela, colocou Frerin para trabalhar com ele e os dois assumiram a ferraria integralmente.

Thorin, é claro, nunca parou de imaginar onde o pai estaria e porquê foi embora repentinamente, praticamente com a roupa do corpo, e ainda mais importante: como ele conseguiu, se é que conseguiu, sair da província vivo? Todas elas eram vigiadas e muito bem guardadas e a comunicação entre elas era ilegal. Ele chegou a pensar que seu pai podia ter seguido pela Floresta Velha, onde ele se encontrava agora vagando, e seguido por quilômetros a sudoeste até as Ered Luin ‒ Montanhas Azuis ‒, nas fronteiras da província de Harlindon, ou Arnor, que ficava ainda mais próximo ao norte, com fronteiras ainda mais vigiadas... Mas por que? Não. Era tudo impensável. Caminhos tortuosos e sem sentido. Cada hipótese que Thorin pensava era pior que a anterior. Por que abandonar a família? Por quê abandoná-lo no momento em que mais precisava? Aos 18 anos ele estava às portas de se inscrever na sua primeira Colheita.

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