I forget her

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Desde criança, eu sempre me considerei um ser humano bem normal — embora enigmático — como qualquer outro, não tendo nada de especial a ser mostrado. Mas, ainda assim, em certas ocasiões, percebia nitidamente que era tratada de modo superior aos outros. E isso não me ocorria só na escola ou em casa, descobri ter o mesmo tratamento nas ruas também. Era como se eu fosse mais do que os demais, embora não possuísse nenhum diferencial.

— Gente como você não anda com gente como nós! — Yoongi disse a mim, quase gritando, quando o vi pela primeira vez. Ele estava jogando bola na rua com Jungkook neste dia. Eu não iria cumprimentá-lo, afinal nunca havia visto-o, mas seria muita falta de educação da minha parte — na minha concepção — cumprimentar apenas o garoto que eu conhecia. Então fui para o seu lado, sendo muito má recebida, devo ressaltar.

Foi ali que descobri o causador de — quase — todos os meus males. O dinheiro. Eu não podia ser modéstia quanto a isso, minha família realmente era bastante endinheirada, possuía hectares e filiais pelo estado, informação cujo qual só obtive com dezoito anos, devo ressaltar. Ninguém sequer ousou me contar nada antes, e não que eu estivesse interessada também. Na verdade, sempre soube que eles eram pessoas importantes, mas nunca tiveram tempo para mim, e bem, eu nunca tive tempo para eles também. Logo, não ficava à par de nada.

Não éramos próximos, embora morássemos na mesma casa, nunca fomos, e talvez nunca fôssemos ser.

Mas, o que não fazia sentido nenhum para mim em meio à todas aquelas confissões revolucionárias, era o fato de que, embora não tivesse nada a ver com o dinheiro dos mesmos — pois não os ajudava com nada, tampouco fazia questão — era, ainda assim, ser tratada como uma empresária que não se misturava com desfavorecidos. Qual é? Eu só queria ser uma pessoa normal, pouco me importava o dinheiro deles. 

Fiquei dezoito anos da minha vida sem saber — em partes — que vinha de uma família abastada, e podia muito bem permanecer assim.

— Mas eu sou como você! — Eu me lembro de bater o pé no asfalto e, no entardecer do dia, quase chorar na frente deles.

Mas eu não era. Não, graças aos meus pais.

Me lembro de, no dia seguinte, ter uma conversa — nada agradável — com minha mãe a respeito disso. E a mesma, com aquele olhar fúnebre que só ela tinha, arrumou seus óculos e disse: — Você nasceu para ser uma moça direita, Sooyoung. Com amigos e familiares à sua altura.

E eu juro, naquele instante eu desejei matá-la. Pois era a arrogância deles que fazia de mim, uma patricinha mimada, embora eu não fosse. A imagem que todos tinham deles acabava sendo a minha imagem também, pois, como diz o ditado: filhinho de peixe, peixinho é!

Então foi neste momento em que novos problemas surgiram. Como se não me bastasse os antigos, envolvendo o meu próprio mundinho e Jiwoo.

Desde o momento em que eu soube da real condição financeira do lar de onde eu vinha, passei a compreender o verdadeiro motivo pelo qual fui uma criança tão perturbada com medo de interações sociais, como era na infância.

Meus pais sempre foram os verdadeiros responsáveis pela minha dificuldade de interagir com os outros. Afinal, sempre me criaram para ser uma "moça direita". Prendendo-me dentro de casa, ou impedindo de ir na casa de outras crianças, com exceção de Momo, minha vizinha, com medo de que eu me desvirtuasse dos seus ensinamentos. E isso foi se perdurando até os dezoito. Até o momento em que eu resolvi dissolver de vez, a minha imagem.

Eu passei a sair de casa escondida — embora tivesse idade o suficiente para sair sem permissões — com frequências absurdas, ao lado de Jinsoul, Jungeun, Chaewon, Yeojin e Jungkook, indo à lugares que uma moça direita muito provavelmente não deveria frequentar. E bem, eu sempre odiei esse termo mesmo. E, quanto mais eu fugia de casa, mais eu manchava a imagem de meus pais, e consequentemente, a minha. Destruindo tudo o que um dia lutei para construir. Cheguei até a sair nos televisores uma vez, mas culpei o Jungkook por esse episódio. Nossa pretensão era apenas pichar os muros de um edifício qualquer, longe das câmeras, mas uma em específico, acabou nos flagrando.

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