18 - amor próprio

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Meu coração poderia ser como as células
e ter uma membrana plasmática, seletiva:
assim eu poderia controlar quem entra e sai dele.
E eu faria uma boa limpeza ali

Tiraria dele todos que me machucam,
porque não vale a pena dar meu amor a eles.
Colocaria as pessoas certas para dentro;
só entregaria meus sentimentos para quem os merecesse

Mas o problema é que não sei gostar.
Sempre que gosto de uma pessoa,
não é mais gostar: eu a amo.
Nunca aprendi a regular o que sinto

O que posso fazer se minhas paredes são fracas por fora?
Todos entram com facilidade e, por algum motivo, custam a sair
Como posso agarrar com tanta força
e não saber mais como soltar?

O interior do meu coração é uma substância pegajosa,
como queijo derretido: grudando em tudo ao seu redor.
Talvez por isso ninguém sai: estão todos presos
- até que ponto é saudável mantê-los ali contra suas vontades?

O quanto já me machuquei - e continuo me machucando -
por manter, dentro de mim, aqueles que não deviam mais estar ali.
Mas como parar? Como soltá-los sem destroçar meu coração?
Faz sentido fazer uma bagunça para resolver outra?

"Como tirar chiclete do cabelo"
Google. Pesquisar:
gelo, detergente, água e sabão, meter a tesoura de vez...
Qual devo escolher para tirar o grude que prende as pessoas no meu coração?

Não são apenas pessoas ali.
Elas são compostas por memórias, sensações, segundos e segundos vividos juntos,
e até mesmo por situações imaginárias que nunca acontecerem de fato
E se eu não quiser deixar tudo isso ir?

Mas sei que preciso.
Eu devo isso a mim mesma: um cuidado que só eu posso me dar
Só que parece que todo conhecimento do mundo não é suficiente
para convencer minha teimosia a mudar de opinião

Imagino a destruição que vai me restar ao fim desse processo:
sangue jorrando por todos os lados, uma dor gritante me consumindo
Mas essa seria minha última dor
e, em seguida, não haveria mais essa dor constante que sinto o tempo todo no coração

Parece uma rebelião,
uma oposição teimosa e egoísta a todos que me cercam
ou mesmo uma tentativa perigosa de me isolar do mundo.
Mas e se eu apenas quiser me absolver da dor?

É justo sofrer pelo egoísmo
para evitar ser egoísta com os outros?
É justo se doar diariamente ao outro
mas sem receber nada em troca?

Porque deveríamos amar e sofrer incondicionalmente,
enquanto os outros apenas são amados e fazem sofrer?
O coração é uma via de mão dupla:
ele distribui o sangue, mas, para isso, precisa recebê-lo

Se nos darmos para o outro constantemente,
um dia o estoque de amor acaba?
Não sobraria nem mesmo para darmos a nós mesmos
E acabaria nosso combustível de viver

Se eu me destruísse por completo
para poder me reconstruir com mais força, valeria a pena?
As pessoas certas me ajudariam nessa obra
para terem um confortável local dentro de mim?

A dor da destruição é compensada pelo alívio pós-recuperação?
Eu queria acreditar que mereço esse sentimento,
mas os presidiários do meu coração me envenenaram por dentro
e me roubaram tudo o que eu deveria dar para mim mesma

O adubo que me nutre está acabando
minhas folhas estão muchas, minhas flores já caíram
e minhas raízes estão atrofiando
O esqueleto que me constitui não tem mais força para me sustentar (imagine só para lutar...)

Não encontro outra forma de repor o meu adubo,
exceto pegando emprestado de alguém.
Mas não entendem o que peço:
eles esperam que eu refaça meu adubo por conta própria (como?)

Eu devolveria quando tivesse condições, mas esse momento me parece tão distante
Talvez se eu ainda tivesse minhas flores,
seria mais fácil para me enxergaram
Se o vento me batesse de leve, o farfalhar das folhas que outrora eu tive
fariam um suave barulho que, talvez, alguém escutasse

Mas estou destroçada:
então ninguém me ouve, ninguém me vê
Quem daria atenção para uma planta fadada a morrer
quando podem admirar belas outras plantas?

E a tarefa de me reviver se torna apenas minha,
a função destinada à única pessoa que procurou me entender: eu mesma
Mas é difícil, sei que vou precisar do dobro ou do quádruplo da força
e não tenho de onde tirá-la

Preciso encontrar minha força,
renascer por dentro e recuperar minha vida
mesmo que eu nem mesmo saiba se já tive isso
ou mesmo que eu não ache que vou conseguir ou que tenha direito à isso

Ser gentil com si mesmo
apenas quando você acha que merece
é como molhar uma planta
apenas quando chove

- amor próprio não é uma anarquia: é perdão

Pseudo-vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora