21.08.2020
De sentir medo de coisas bobas.
Quando eu só me preocupava em me cobrir inteira
para o bicho-papão não conseguir puxar meu péquando as noites não eram todas em claro,
quando as lágrimas não encharcavam meu travesseiro
e não havia tanto medo do futuro e da solidãoDe achar que via espíritos daqueles que já morreram.
Hoje, me acompanham os vultos daqueles para quem eu já morri,
aqueles que me superaram e seguiram suas vidas sem mimse fui eu quem morri para eles,
porque sou eu quem tem que lidar com as assombrações?
porque eles é quem são fantasmas para mim?De lembrar apenas com nostalgia das pessoas que já conheci.
Me sinto uma máquina doida que revisita e revisa cada detalhe
de cada segundo de todos os meus relacionamentosporque terminaram?
porque me deixaram? porque eu os deixei?
(porque nos deixamos?)De conseguir ser presente na vida dos outros.
Minha presença, aos poucos,
se torna mais ausente: invisívelquando eu acreditava que tinha algo a acrescentar ali
e não me sentia tão inconveniente e
d e s n e c e s s á r i aDe quando as paredes não eram minha única companhia,
quando um urso de pelúcia não era o único que eu abraçava,
quando minhas roupas não eram o único toque que eu recebiaàs vezes sinto que todos, indiretamente, me dizem o mesmo
e que eu sou a única que se recusa a acreditar
"você é um caso perdido, faça o mesmo que nós e desista de você"De quando eu tinha como conversar sobre o passado com alguém.
Ouvir era interessante, mas nunca entendi como sentem falta dele
(eu faria de tudo para apagar o meu e fugir dele)meu passado é horrível
meu presente é uma bagunça
e meu futuro me atormentaDe ser uma criança animada com qualquer coisa boba,
tentando, em vão, contar isso para alguém:
talvez uma árvore me escutasse mais do que vocêporque sou eu quem tem que sofrer com as perguntas
- "porque você nunca fala nada?" -,
quando, na verdade, foi você quem me causou o problema?De quando eu não tinha esse peso dentro de mim.
Quando ele não cutucava constantemente meu corpo
(algum dia ele não esteve aqui?)mas a existência dele é evidente
e agora me lembra sempre
de que sou tão falha e facilmente -substituível-De quando eu me sentia ansiosa
por querer fazer um milhão de coisas
mas só ter tempo para meia dúzia delas (como escolher?)não quero mais sentir que estou desperdiçando meu tempo:
aflição por poder fazer qualquer coisa,
mas só ter força para me deitar e encarar o tetoDe poder te ver sem ter medo de que,
se eu olhasse para você por tempo demais,
você iria sumir (porque é isso que a ilusões fazem)onde todos foram
e porque não consigo mais vê-los
por mais que 5 minutos?De não precisar jogar
"se-eu-morrer-agora-quanto-tempo-até-alguém-notar-meu-sumiço"
(muitos nem perceberam)sinto falta de quando esse jogo
não era obrigatório no meu dia-a-dia
agora ele faz parte de mimDe não ter esse cansaço crônico em cima de mim
quando uma noite de sono resolvia meus problemas
e melhorava meu humorme lembro de ler como as manhãs significam um recomeço
para mim apenas definem uma tortura
uma nova chance de encontrar seus sofrimentos mais uma vezDe conseguir ver o brilho e a beleza do mundo.
Mas tudo é tão fosco,
sem graçadiziam que o mundo fica preto e branco,
mas as cores ainda estão aqui
só não me importam maisDe me sentar para olhar o céu.
A rotina sempre me roubou ele
e é uma surpresa ver sua metamorfose diáriamas as paredes da minha casa impedem meu contato com ele
a janela está sempre fechada
(quase dois meses sem sair do ciclo quarto-sala-cozinha)De quando eu fazia jus aos elogios que recebia.
Quando eu me esforçava ao máximo para ser um orgulho,
mas não tenho mais força (nem mesmo para tentar)eu costumava ser madura e responsável
agora não passo de uma criança chorona
que se esqueceu de como crescerDe quando as coisas tinham sabor.
Agora elas só têm gosto de calorias
(não é algo que vale a pena provar)sinto falta de quando uma xícara de café
conseguia me aquecer por dentro e por fora,
como um bom abraço apertado (não sei mais o que é isso)De quando eu conseguia me olhar no espelho
e aquela imagem não era quase como um soco no estômago.
Quando eu não precisava me esconder de mim mesmaeu achava que queria ser magra para ser bonita
que, então, as pessoas gostariam de mim e eu não seria tão sozinha;
na verdade acho que só quero existir o >mínimo< possívelDe não precisar causar mal a mim mesma
queria não precisar sentir tanta dor
a vida já é dolorosa demais sozinhaeu não sei porque me machuco
mas parece que isso é tudo o que eu
m e r e ç oDe quando meu corpo era limpo como seda
(eu digo isso rindo, na verdade nunca foi)
eu me esqueci como é não ter cicatrizeseu não sei mais quem eu sou sem a dor
a vida me deixou marcas
que não me deixam esquecerDe não ter sangue manchando meus lençóis
manchas estranhas que me preocupam
perco tempo buscando desculpas para elas se alguém perguntarmas nunca precisei dar a resposta
ninguém se importou em perguntar
elas se normalizaram para todos, mas ainda me assustamDe quando eu conseguia planejar meu futuro
e cada uma das minhas ações
sem sentir qualquer culpaquando os atos que mais parecem que vão me salvar
não eram também aqueles
que mais irão machucar aqueles que eu amoDe imaginar conversas entre nós
sem te imaginar perguntando "você quer que eu esteja na sua vida?"
e logo depois eu responder com "preferia que você estivesse no meu funeral"eu queria que, depois dessa frase,
viesse algo mais na minha cabeça além de
"mas eu duvido que você se daria ao trabalho de ir nele"De quem eu era quando era mais nova.
Sinto falta da minha inocência,
gosto mais de quem eu costumava ser do que de quem sou agoraas pessoas fazem planos para o meu futuro
e eu as escuto atentamente e espero
que o final da história delas seja o mesmo que eu desejoDe quando eu me sentia livre para escrever.
Quando minha mente não estava presa nessas grades
que impedem meu cérebro de funcionare eu terminava meus textos
sem conseguir enxergar cartas de despedida
escondidas nas entrelinhasDe evitar locais altos
por ter medo de cair,
e não por desejar issoqueria volta a ver os horizontes
mas agora tudo que me chama a atenção é a
q
u
e
d
a