O livro estava exatamente onde minha mãe havia indicado, havia, aliás, uma prateleira inteira dedicada à Jane Austen, com alguns de seus títulos, distribuídos em várias e várias edições. Jan se encaixou num cantinho qualquer e ficou digitando algo no celular, com um olhar pensativo, posso jurar que fofocava sobre os olhos de Caroline — que ele fez questão de elogiar para minha mãe. Me perguntei em que momento me tornei tão fraco ao ponto de estar acompanhando um amigo indo atrás de um crush. Devia comentar sobre isso com Austen.
Folheio algumas versões de Orgulho e Preconceito. Tirando diagramação, ilustrações e pompa desnecessária, todas, aos meus olhos, pareciam a mesmíssima coisa; a mesma história de dois corações que se odiavam até o momento que decidiram que se amavam. Isso era tão ou mais irritante quanto alguém que se apaixona logo à primeira vista... Quando constatei isso, não pude deixar de desviar um olhar julgador sobre as páginas e encarar Jan, absorto numa atmosfera rosa e vermelha, cheirando a chocolate e paixão, completamente enfeitiçado por uma garota com quem sequer conversou. Por um instante me lembro de Daniel e penso como era irônico pensar que o que sentia por ele era o completo oposto daquilo que meu amigo sentia pela sua irmã: tudo que eu queria era mandar aquele arrogantezinho de meia tigela para a casa do caralho. E tudo que Jan queria era ir para qualquer lugar, inclusive a casa do..., com Caroline.
Tão subitamente quando como desapareceu, Daniel surgiu entre as prateleiras, observando curiosa e silenciosamente às minhas costas. Só me dei por uma presença quando ouvi o que parecia uma tosse forçada notavelmente, como se ele dissesse "estou aqui". Seus olhos pareciam mais escuros que o de costume, iluminados pela luz ínfima que atravessava as vidraças, cópias fajutas e baratas de vidraria vitoriana, nas janelas da livraria, deixando suas pupilas brilhosas, bem como sua pele, que pareceu tão mais macia que o de costume. Seus lábios eram vermelhos e extremamente beijáveis. Em algum momento entre o instante que me virei e o enxerguei e o que deixei o livro em minhas mãos despencar no chão com a surpresa do momento, pude jurar enxergar um resquício de sorriso lutando para aparecer naquele rosto impassível.
Ele era tão lindo, mas tão lindo... Que podia tirá-lo para dançar ali mesmo:
— Gosta de dançar, senhor Daniel? — eu perguntaria, tal qual Elizabeth perguntou à senhor Darcy.
— Quando não posso evitar — ele responderia, tal qual senhor Darcy.
E nenhum de nós dançaria, mas continuaríamos a nos odiar cada vez mais e mais.
— Essa edição é péssima — ele disse, por fim, diante de mim com olhos tão curiosos quanto os de uma criança. Um olhar amargo e descompensado recaía sobre mim como uma faca atirada por um assassino e acertava meu coração em cheio — A tradução é muito mal feita. A capa é bonita, claro, mas o texto... Jane Austen teria chorado — Daniel afirmou, cheio de si. Senti minhas feições faciais se tornarem levemente mais "debochadas" e desinteressadas involuntariamente enquanto ouvia toda aquela demonstração de volúpia mental. Uma parte de mim, a mais infantil, sentia vontade de dizer "Ah é? E quem te perguntou?" e outra continuava inclinada a uma dança. Sem muitas delongas e sem mais palavras de incentivo, Daniel deixou nossa presença tão rápido quando chegou, sem se despedir, sem olhar para trás e sem cumprimentar. Ele cheirava muito bem.
Jan me encarou com um olhar confuso e surpreso. Podia ouvi-lo dizendo "que porra foi essa", então nem precisaram muitas palavras para que eu respondesse:
— E esse é Daniel. Mal posso esperar para conhecer Caroline — afirmei, me apegando a toda ironia do momento.
Talvez, se eu fosse levemente mais orgulhoso, teria sido teimoso e pego o mesmo livro que Daniel condenou, mas uma parte minha guiou minha mente e minhas ações, então o devolvi à estante e peguei uma edição mais antiga, menos bonita, mas, aparentemente, mais bem traduzida. Jan me encarou com um olhar de julgamento.
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Orgulho, Preconceito e Arrogância
RomanceEli se tornou uma pessoa cheia de dilemas após um acidente que matou seu irmão e fez com que todas as suas memórias desaparecessem. Os anos se passaram, mas o trauma continuou, dificultando todas as relações de Eli e prejudicando seu rendimento esco...