3 - Orgulho e Saúde Mental

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Jane, eu acredito que se você viesse do passado para o 21 você surtaria na primeira rua que cruzasse. Não pelas inovações tecnológicas, como carros, aviões e paus de selfie, nem pelas minissaias, bermudas ou miscigenação e massificação cultural (voltada para a tentativa idônea de padronizar as pessoas, estabelecendo ideais de "bonito", necessário e na moda voltados única e exclusivamente para cultivar o sentimento de necessidade de inserção, favorecendo grandemente o capitalismo e deixando as marcas famosas cada vez mais ricas...). Não, não só por isso, mas por uma questão menos clara mais igualmente problemática: a saúde mental.

Não sei como era na sua época, mas acredito que não devia ser fácil também, imagino, todos esses espartilhos, anáguas e... cavalos... dragões, varíola, essas coisas... Com toda certeza nem todas as pessoas se mantinham completamente sãs até o fim da curta vida de vocês, que morriam de doenças virais por conta da ausência de higiene, inclusive, um aviso. Mas, enfim, apesar de todos os avanços da medicina, como penicilina, vacina e transplantes, ainda vivemos um século de pessoas doentes: talvez não dos corpos, mas da mente.

As pessoas adoecem por completo antes dos trinta anos, sempre se cobrando uma perfeição inexata, se comparando com pessoas bem-sucedidas (Um primo, um amigo, o irmão), surtam por completo quando não conseguem atingir tais metas, mas não procuram ajuda, aliás, se remediam de café, drogas ilícitas, vinho, sexo sem proteção, e acreditam que essas "curas rápidas" bastam para a eternidade. Obviamente não dá certo, mas continuamos na mesma merda, criando um ciclo vicioso.

Comigo não é diferente, mas isso deve ser óbvio para você nesse ponto da história. Mesmo antes do acidente de três anos atrás eu já não era a pessoa mais confiante do mundo. É assim quando se tem um irmão perfeito, sabe, não sei se você teve a oportunidade (Acredito que sim, afinal na época de vocês não tinha televisão), mas é extremamente frustrante você ter um irmão que é bonito, bom em música, bom em carisma, bom em matemática, bom em argumentação, bom em coisas inteligentes de todo tipo, bom e adorado... E você nem sequer pode se considerar bom em algo, sabe. Às vezes eu detestava estar sempre à sombra dele, mas, na maioria esmagadora das vezes, tudo que eu sabia sentir era orgulho de ter alguém tão incrível para dizer "Ei, olha: meu irmão sabe os números de pi de cor" (Não sei se na época de vocês já haviam descoberto o número de Pi, mas se isso ajuda confesso que nem eu sei muito sobre ele).

E como deve ser fácil de imaginar, depois do acidente tudo que era desagradável e me trazia os piores sentimentos se expandiu de uma maneira desgastante, então, com minha autoestima mais caída que nunca, me comparar se tornou parte dos meus dias: me comparava com Jan, como ele é bonito e todos o adoram, com minha irmã, que é um gênio por completo em química, com uma garota da minha escola, Emma, que era praticamente uma bruxa dos algoritmos, conseguindo configurar inteligências artificiais com a mesma facilidade que escovava os dentes...

A necessidade de tentar ser uma versão melhor ou boa o suficiente de outras pessoas ao meu redor desgastou toda minha ânsia por melhoria e adaptação conforme os anos foram passando... Talvez por isso em alguns momentos eu entregava redações em guardanapos, mas em outros sequer tinha ânimo por escrever, mesmo que em um papel de pão. Mesmo assim estou aqui, agora, fruto da minha ansiedade, escrevendo como se nada nunca tivesse acontecido e eu nunca tivesse perdido toda essa "magia estranha" que me faz querer mudar, me transformar, me adaptar... E sabe porquê? Por fruto da minha necessidade de comparação, sim, a mesma que me fez querer desistir de tudo e me tornar uma sombra apática dos meus amigos considerados melhores e mais interessantes. Como? Boa pergunta, Jane Austen. Boa pergunta.

Um dia responderei com prazer. Só preciso descobrir como antes.

Havia acatado a ideia animada e ansiosa de Jan de ir à cafeteria sem motivo algum, além de conhecer os tais novos moradores da cidade — que, para mim, de novos nada tinham (Pelo menos o rapaz, que acabei me esbarrando algum tempo atrás e passando por uma experiência desagradável). Aproveitaria também para tomar minha segunda atitude estranha em menos de um dia: comprar um livro, depois de aceitar escrever um. Sim, tecnicamente eu havia prometido à Jane Austen e à Érica que iria ler algum dos títulos escritos pela escritora inglesa do século dezenove e, sem motivo especial algum (Mesmo que ainda tivesse uma certa faísca de curiosidade gritando em súplica por um segundo encontro com Dan, abafada continuamente por todo orgulho e amor próprio que eu ainda tinha), eu decidi cumprir com a promessa e me esforçar ao máximo possível para ler alguma bobagem austeniana. Eu, definitivamente, não estava na melhor das minhas piores fases, se é que dá para me compreender.

Orgulho, Preconceito e ArrogânciaOnde histórias criam vida. Descubra agora