Capítulo 1

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A relva encoberta por grandes pinheiros era o local ideal pra descansar. Arejada e fresca podia nos proteger do calor escaldante que parecia brotar do chão árido que circulava a pequena floresta. Eu podia avistar os montes cheios de árvores, a paisagem semiárida que se desenhava no horizonte, mas não importava o quanto eu cavalgava eles continuavam distantes de nós. Já havia percorrido mais de 500 milhas e eles continuavam parecendo impossíveis de serem alcançados.
Nagy estava sedenta e cansada. Não poderia cavalgar tanto debaixo do sol no estado em que se encontrava. A relva que surgiu diante dos nossos olhos pareceu um milagre que só ocorre com os viajantes mais dedicados. É como se Deus testasse nossa resiliência até o limite e nos presenteasse no fim da lucidez com um pouco do seu pote misericordioso de água. Um pequeno aviso de que ele ainda estava ali, acompanhando nossa partida. A água brotava do chão em pequenas e poucas poças d'água, irregulares e rasas. Tinham um brilho que não se encontrava em qualquer lugar. Um aquário delicado junto a grama que provia vida pra quem a bebesse. Sorvi o que pude com a cara no chão, sem me dar ao direito da dignidade de unir as mãos para beber da forma mais educada que fosse. A fome e a sede transformam o homem num animal. Nem mesmo Nagy fora tão agressiva quanto eu. Mas eu também não acredito que ela tenha visto tantas alucinações quanto eu. Eu não lembrava nem mesmo como havia chegado ali naquele deserto.
Afofei um canto entre dois pinheiros que iam do chão ao céu. "Meu deus não é possível ver o topo" pensei. Era algo impressionante de ser ver. A copa das árvores se misturava às nuvens e a partir de certo ponto eu não sabia distinguir o que era o quê.
Coloquei minha bolsa no chão e deixei que Nagy se ajeitasse para descansar.
Eu tinha ganho Nagy de meu pai quando ela ainda era um bebê-cavalo. E eu a escolhera no meio de vários outros cavalos porque assim como eu ela andava toda torta. Uma marca marrom-claro na pata traseira era o charme que a identificava mais facilmente. Uma penugem completamente destoante do tom escuro que cobria o restante do seu corpo.
Sentei ao lado da bolsa e segurei o ímpeto de abrir e vasculhar minhas memórias. Eu sabia que elas estariam ali, prontas para me agarrarem. Fotos e sentimentos que eu ainda não sabia se estava pronto para abraçar.
"Muito calor não é mesmo Nagy?" – disse
Mostrou-me os dentes amarelados num relincho bufante e acomodou a crina na grama baixa. Fiquei olhando até o momento que seus olhos não aguentaram mais de cansaço e se fecharam, e perdi a conta de quanto tempo levei fazendo essa contemplação.
Olhei pro horizonte e esqueci por alguns minutos, ou talvez horas – eu já não tinha mais essa noção – do motivo que tinha me levado até ali. O morro que se extendia por toda a minha visão parecia alcançar o céu.
Fui tomado dos meus pensamentos por um andarilho que se aproximava.
"Tarde" – disse o homem.
"Tarde meu amigo!"
"Tens um espaço sobrando pra dividir comigo?"
Apontei para o tronco de árvore a frente e ofereci o lugar tal como um anfitrião recebe seu visitante na sua casa.
"vem de longe?", perguntei.
"Não não. Estou sempre pelas redondezas. Cuido do deserto!"
"Cuida do deserto? E desde quando um deserto carece de cuidados?"
"Tudo nesse mundo deve ser cuidado meu caro. Inclusive os desertos! Quando são bem cuidados eles retribuem nos enviando esses pequenos oásis!" respondeu o homem.
"Tsk! Besteira! Nunca ouvi tamanha sandice! Você deve estar louco do sol!"
Onde já se vira uma coisa dessas. Cuidador de deserto? O homem estava louco!
Ele me olhou de cima a baixo de forma displicente e demorou-se um tempo em Nagy. Vi que seus olhos brilhavam diante de cada descoberta silenciosa que fazia diante dela.
"Ela é linda não é?", interrompi seus pensamentos.
"É uma bela égua não há dúvida!", falou-me sem tirar os olhos dela.
"Como você a chama?"
"Nagy! Era o nome da mãe de minha mãe!", respondi contente. Eu já nem lembrava mais de que este era o motivo e senti um ar frio percorrer o corpo com a lembrança. Fiquei feliz.
"Que coisa mais estranha dar o nome de sua avó num bicho que você monta. Duvido muito que tenha deixado ela satisfeita. Ainda mais a condição que você está fazendo o pobre bicho passar colocando-o pra seguir seu caminho debaixo desse sol escaldante"
Eu já não estava mais feliz.
Olhei pra baixo sem saber porque estava me sentindo envergonhado. Sentia a bochecha corar igual aos tempos de menino. Que pobre lazarento. Trato-o com estima e levo um chute na boca do estômago. Deixei que o silencio preenchesse o espaço entre nós sentindo-me cada vez mais confortável com a situação.
O homem também se aquietou.
Deitou-se de costas pra mim e adormeceu.

A man behind the horseOnde histórias criam vida. Descubra agora