Sirius Black

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Qualquer um poderia dizer que conhecia Sirius Black. As versões eram variadas, tinham aqueles que o consideravam um fuckboy filhinho de papai que, além de tudo, jogava no time e só se achava, tinham aqueles que achavam que ele era a desgraça do mundo bruxo, um rebelde fugido de uma linhagem de alta classe, também tinham aqueles que acreditavam que ele era incrível, bom em tudo que faz, sabia flertar como ninguém, era engraçado, bonito, jogava bem. Mas Sirius Black não era nada disso, talvez ele tivesse algumas características pontuais de cada descrição, mas nenhuma dessas pessoas realmente o conhecia. Existiam poucas pessoas que realmente o conheciam, o que ele gostava de chamar de sua família escolhida. O fato é: sua família biológica era um tema sensível muitas vezes, mas ele constantemente escondia sua mágoa em forma de piadas. “Eu juro pela vida da minha mãe” era uma de suas favoritas.

A maioria das pessoas que ri, acredita que Sirius só teve uma briga com eles e agora os evita ao máximo, mas não é bem assim. No final do primeiro ano de Hogwarts, sua família não foi o buscar na plataforma, eles não quiseram confrontar publicamente a vergonha de um filho grifinório. Sirius os esperou até a plataforma estar vazia. Eles não foram recebê-lo.
No final de seu segundo ano, eles também não apareceram. A família de James lhe deu uma carona sem problema nenhum. E isso teria se sucedido por todos os anos seguidos em Hogwarts se seu irmão pequeno não tivesse entrado na escola no terceiro ano de Sirius. Regulus Arthur Black, ele foi para Sonserina, e é claro, se tornou o orgulho de seus pais.

Durante toda sua vida, Sirius Black teve todo tipo de aula, ele sabia falar francês e italiano, ele aprendera a tocar o violino e o piano, ele sabia se portar em um jantar formal, sabia para o que servia cada um dos diversos talheres na mesa, e tinha um quadro seu ainda criança pintado e pendurado na parede, ele havia seu nome numa tapeçaria de centenas de anos, ele tentou aprender a pintar, mas logo chegaram à conclusão que esse não era seu forte. O Black gostava de sujar seus dedos de carvão e esboçar coisas diferentes do que paisagens desinteressantes a beira de um lago, suas linhas eram grossas e rudes, e Walburga Black logo o fez desacreditar em seu talento, dizendo como toda aquela baboseira que ele desenhava poderia ser usada como lenha para o inverno. Quando ele tinha oito anos, ele começou a ter certo apreço pela literatura, principalmente pelos clássicos trouxas. Sempre que eles iam a Londres, ele conseguia sumir por um tempo, correr para uma livraria e adquirir uma cópia diferente, escondia o livro dentro de suas roupas e quando a noite caía, ele devorava as páginas. Apesar de sua idade, ele realmente compreendia clássicos, a educação dos Black não era fraca. Ele passou noites inteiras na companhia de Jane Austen a Oscar Wilde. Certo dia, assim que chegaram de Londres, Walburga o levou até a lareira da sala, e ao invés de uma pilha de madeira, havia uma pilha de livros. Sirius sentiu seu peito afundar ao os reconhecer, eles haviam achado seu esconderijo. Ele havia chorado depois que o fogo os consumiu. Sirius possuia apenas um livro desde aquele dia, o que estava escondido em suas roupas, uma cópia de Emma de Jane Austen. Dessa vez, ele escondeu e protegeu esse livro com todo seu fervor. Em Largo Grimmauld, nº 12, em seu quarto, debaixo de uma tábua solta no chão, estava sua preciosa e gasta cópia, as páginas amareladas e os cantos dobrados pelo repetitivo uso, qualquer um que tocasse naquela cópia saberia que ela foi bem amada.

Sirius aprendeu logo cedo que seus pais não se amavam, que garotos eram fora do seu limite, que ele não deveria consumir coisas trouxas, que bruxos não puros eram uma abominação, que um dia ele herdaria tudo o que os Black tinham. Sirius aprendeu muitas coisas durante sua infância, mas nunca o ensinaram a lidar com seus sentimentos, nunca o ensinaram o que fazer quando ele estava triste, magoado. Nunca o ensinaram o que fazer quando ele percebesse que sua família não o amava, como reagir quando a primeira pontada de dor do Crucio o atingisse, quando ele ficasse horas esperando na plataforma.
Sirius Black nem sempre esteve conformado com o que ele realmente era, ele nem sempre entendeu que ele nunca iria se encaixar no que seus pais cobravam dele, ele nem sempre entendeu que eles nunca o amariam.
Não é fácil para uma criança de onze anos se dar conta de tudo isso. Não é fácil para uma criança de onze anos perceber que por mais que ele tentasse agradar, por mais que ele se moldasse, ele ia sempre estar errado.

Quando ele tinha nove anos, ele fez um café da manhã para o aniversário de sua mãe, ele queria a deixar feliz. Quando Walburga viu o que ele havia feito, ela não poupou palavras. Ele era um homem, ele não cozinhava, ele era um bruxo puro, tarefas domésticas eram para elfos. A comida foi para o lixo e ela mandou os elfos começarem a trabalhar. Algo desse evento sempre ficara na cabeça de Sirius. Ela nem ao menos experimentara. Ela não havia colocado uma migalha de comida na boca, ela não havia nem tentado. Durante os anos, cenas como essa se repetiram.
Sirius nunca mais tentou cozinhar. Ele nunca mais havia lido um livro por prazer. Ele nunca mais havia sujado seus dedos com carvões esboçando a curva da boca de alguém.

Os meninos sempre haviam tido um ódio profundo pela família Black. No começo do quarto ano, James havia criado um jogo de dardos com uma imagem da matriarca Black como alvo. Sirius havia achado hilário, e no final do mesmo ano, mal dava para se reconhecer o rosto da mulher de tão usado que foi.
Peter criou uma piada interna entre eles, um novo xingamento. Constantemente você conseguia ouvir ele xingando o professor de Runas, o seboso do Snape ou até mesmo os fantasmas do Castelo de Walburga ou derivados apelidos relacionados a ela.
Certa vez, jogando certo jogo de papel, Remus criou a categoria “a Walburga é”, o que rendia ótimos novos xingamentos e era um dos maiores orgulhos entre as criações de Remus.
Nos momentos ruins eles estavam ali para ele. James tinha o melhor cafuné, Peter o melhor abraço e Remus as melhores palavras de conforto.

Sirius havia finalmente entendido quem ele era, e que nada poderia ele fazer para que sua família o olhasse de outro jeito. Ele havia finalmente entendido que ele não ia mudar a mente dos seus pais, que ele ser grifinório, odiar comensais e amar coisas trouxas não era problema algum.
Ele colocava suas músicas trouxas no volume mais alto para irritar seus pais, ele pregava peças, irritava os elfos, pendurava o símbolo da grifinória onde podia e não podia.
Apesar de muitas vezes ter seus problemas consigo mesmo, ele finalmente havia chegado a uma conclusão sobre si mesmo e usado isso contra sua família e a favor de si mesmo.
Ele só não esperava descobrir que ele ainda não sabia muita coisa de si próprio.

No momento em que ele retribuiu o beijo de Remus, ele abriu uma porta que ele não percebeu estar trancada e muito bem escondida em si mesmo. No momento em que as borboletas dançaram em sua barriga e em que sua mão subiu para a cintura do outro, no momento em que ele sentiu seu coração pular em seu peito. Sirius não podia negar, aquele foi um dos melhores beijos de sua vida, ele queria mais, ele queria agarrar Remus e colar seus corpos, ele queria beijar o garoto a sua frente até o amanhecer, ele queria sentir seus lábios dormentes de tanto beijar, naquele momento ele só queria mais. Ele queria Remus Lupin, ele queria que aquilo nunca acabasse.

Mas eventualmente aquilo ia acabar.

Gostar de garotos, nunca foi uma opção que Sirius havia considerado. Não foi algo que ele pensou e descartou, foi algo que ele realmente nunca havia pensado em.
Garotos e garotas. Era uma ideia absurda. Bem, nem tanto. Até fazia sentido.
Ele pensou na fantasia que vestia. David Bowie. Ele lembrou das coisas que lera em revistas trouxas.“Sou gay e sempre fui, mesmo quando fui David Jones”. Mas Bowie era casado com uma mulher.
Havia quatro anos que Bowie havia dito isso e Sirius nunca havia ligado os pontos.
Talvez ele fosse como ele. Talvez Bowie estivesse falando com ele por Ziggy, talvez ele realmente seja seu próprio Ziggy Stardust*.

*Ziggy Stardust é um personagem fictício criado pelo músico inglês David Bowie, e foi o alter ego de Bowie durante 1972 e 1973. Como citado na música principal e no nome do albúm, Ziggy Stardust é um rock star andrógino que veio antes de um disastre apocaliptico iminente. Depois de acumular um grande grupo de fãs e ser venerado como um Messias, Ziggy eventualmente morre como uma vítima da própria fama e excesso. O personagem foi feito como um jeito de simbolizar um rock star tomado pela fama, liberal em sua sexualidade e servir como comentário em uma sociedade onde celebridades são veneradas.

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