Capítulo 14

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Eu mentia com tanta frequência que não foi difícil dar desculpas para me afastar de Lianne. Eu só fingia estar tudo bem quando estávamos na Lojinha, que parecia ter "esfriado" um pouco (e não estou falando do clima). Às vezes ela batia na minha porta:

– Cintinha! Tu quer ir no parque que abriu na cidade vizinha? Parque de diversões, vai ser tão divertido! Eu chamei Samael.

– Eu adoraria, mas hoje não vai dar. Eu... tô meio mal, só quero ficar deitada.

– Mal como? Precisa ir no médico?

– Não, eu só tô meio triste. Mal emocionalmente. Não é nada de mais, é que minha menstruação vai chegar.

Eu não sabia se ela acreditava nas minhas desculpas, mas Lianne respeitava meu espaço. Aos poucos nossa amizade iria esfriar e só teríamos um relacionamento profissional – era o que eu pretendia apesar de que ela continuava me falando de sua vida pessoal na Lojinha:

Lianne e Samael se encontraram no parque. Ele ficou com as mãos geladas e suadas quando percebeu a multidão e ela ficou preocupada.

– Por que tas tão nervoso? É irônico porque eu gosto bastante de conhecer pessoas novas. Às vezes eu puxo conversa com desconhecidos, ta ligado?

– Eu me acostumei com a solidão. Fiquei tanto tempo me afastando das pessoas que agora fico muito ansiosa com elas.

Para se isolarem eles foram para a roda gigante. Apenas os dois ficaram na pequena cabine.

– Com você tudo fica mais fácil. – ele observava a paisagem. O céu estava com um belo azul; havia poucas árvores naquela cidade e muitas casas, o que atrapalhava a beleza. – Nunca pensei que ia tentar me divertir de novo. Eu achava que ia passar décadas infeliz e com raiva. Muitas vezes eu saia de casa para ficar bebendo entre as árvores. O meu único conforto naquele condomínio era a natureza.

– E por que tu tava assim?

– Eu amei alguém há muito tempo. Não era um romance bem aceito, nossos "amigos" nos evitavam e no final fomos julgados por iguais. Iguais que se achavam superiores. Eu perdi a única pessoa que amei apenas porque outros não achavam certo. E além de tudo Don está sempre por perto para me vigiar. Ele quer ter certeza que nada possa se repetir.

– Ele está preocupado contigo.

– Não é preocupação...

Lianne o abraçou. Sentiu que era o que precisava fazer. Foi um longo abraço – ele parecia travado no começo, estupefato, mas logo suas unhas decoradas deslizaram nas costas dela e seus braços finos a envolveram. O abraço lhe causava uma mistura de sentimentos, como conforto, medo e melancolia.

– Você me ajudou bastante. – ele tocou nos cachos dela – Sua personalidade me deu ânimo. "Viver sem pensar demais" foi como encontrei forças para parar de me lamentar e começar a viver. E apesar de Don tentar me convencer do contrário, eu acho você incrível.

– Tu é um doce. – o abraço se desfez – Pessoas profundas são complexas demais pra mim, mas mergulhar na sua profundidade ta sendo incrível. Nunca fiquei tão louca por um cara... – ela olhou o vestido que ele usava – Ou uma mulher de um jeito tão inocente. A gente nem se beijou!

– Como é um beijo?

– Opa, não me venha com essa brincadeira de inocente! – foi o que ela disse, mas o beijou.

Foi um doloroso e molhado beijo que a fez ter certeza que ele não estava brincando. Lembrou-lhe de quando tinha dez anos e deu seu primeiro beijo em um garoto que também não sabia beijar.

– Não me diga que é o teu primeiro beijo.

– É uma sensação estranha, mas sei que é como seres humanos demonstram afeto.

Lianne estranhou a frase, mas antes de poder perguntar eles já haviam descido a roda gigante e precisavam sair da cabine.

– Tem certeza que tu quer ir nos brinquedos? Todas as filas são cheias de gente.

– Eu já falei. – ele segurou sua mão – Com você tudo fica mais fácil.

Eles só foram em um brinquedo radical: a montanha-russa, do qual Samael odiou:

– Isso me pareceu uma espécie de tortura. O que tem de divertido em sentir medo e adrenalina?

– Tu não entendeu o espírito da coisa!

Foram no carrossel e brincaram em diversas variações de tiro ao alvo. Não conseguiram ganhar nem um brinquedo.

– Atirar é de fato complexo.

– Nah, esses brinquedos são traiçoeiros. Não são feitos pra ganhar.

Passaram pouco mais de uma hora no parque. Lianne foi em alguns brinquedos radicais sozinha e decidiu ir embora quando notou Samael desconfortável com a multidão.

– Tu num é médico? Normalmente várias pessoas vão ao hospital.

– Não ficam todas ao mesmo tempo no meu consultório.

– Faz sentido.

Eles compraram uma lembrancinha para mim: um chaveiro pompom. Mesmo sem eu nunca ter falado Lianne parecia saber que eu adoro coisas delicadas. Isso fez eu me sentir mal por estar mentindo para uma pessoa que sempre foi honesta comigo.

– Obrigada... Desculpe por não ter ido...

– Relaxe, meu bem. Não se preocupa.

– Eu vou agora. – Samael falou. Eles estavam na porta da minha casa. – Don deve estar irritado comigo. Estou me preparando para uma discussão.

– Tu quer tomar um café na minha casa?

– Não gosto de café, é amargo demais para mim.

– Quer jantar comigo?

– Não, obrigado. Don já deve ter feito algo para mim. Agora estou indo. Se me dão licença...

– Afe! – Lianne falou quando ele fechou a porta – Antes eu achava que ele era bom com desculpas, mas agora tô suspeitando que ele é estranhamente inocente.

– Entendo. Vou indo, boa noite! – fechei a porta antes de ouvir uma resposta.

"É assim que héteros flertam?", pensei e fiquei um bom tempo rindo sozinha.

Samael e LianneOnde histórias criam vida. Descubra agora