Capítulo 18

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 Samael e Don desapareceram sem deixar rastros. Eu estava preocupada e torcendo para que ele tivesse voltado a ser um Deus (confesso que eu não me importava com o desaparecimento de Don), assim como eu torcia o mesmo para Lianne. Se ela morreu como Deus e se tornou uma humana, poderia acontecer o contrário, certo?

Minha Lojinha ficou horrível por meses. Deixei de prestar atenção nas plantas e elas estavam meio secas, muitas morreram, o que diminuiu bastante meus clientes. Parei de ir para festas e só conversava com meus vizinhos por educação. Chorei por meses. Acreditava ter perdido tudo outra vez.

Lianne foi a melhor amiga que eu tive em anos. Não conheci Samael tão intimamente, mas ele parecia ser uma pessoa tão boa... Tudo foi por água abaixo por minha culpa. Eu que fiz eles ficarem juntos!

Demorei seis meses para parar de me sentir culpada e decidi me alimentar de esperança. Eu tinha esperança que eles estavam bem. E tinha esperança que a coragem ainda estava dentro de mim.

Eu reorganizei minha Lojinha: mudei o visual, tive mais cuidado com as plantas, comecei a vender chocolates. O sucesso foi tanto que consegui abrir a Lojinha no shopping e contratei uma funcionária (e descobri que Guilherme havia sido demitido por ter assediado uma cliente).

– Boa tarde! Você pode me mostrar as cestas de piquenique? – um dia uma bela ruiva entrou na minha loja. Ela tem olhos castanhos e pequenas sardas espalhadas pelo rosto. E eu devo dizer que dessa vez o meu romance não foi tão rápido!

Seu nome é Camila e ela era nova na cidade. Passou a frequentar o shopping e nos encontramos vezes o suficiente para eu chamá-la de namorada. E dessa vez eu tive coragem. Eu não escondi nosso relacionamento para ninguém. Suportei várias piadas e comentários e até houve um incidente: uma vez um vizinho deixou um bilhete de ameaça na nossa porta.

– "Se mudem em dois dias ou vou tacar fogo nesse carro cinza." – Camila leu o bilhete em voz alta – Essas pessoas sabem que eu sou advogada?

Eu não fugi dessa vez. Nós duas fomos para a Justiça e encontramos o culpado. Decidimos não ter medo, mesmo que isso nos matasse.

Camila é bem mais decidida do que eu, conhece bastante sobre si mesma e não costuma se aprofundar demais nos próprios sentimentos. Eu aprendi bastante com ela! Confesso que roubei um pouco de sua personalidade incrível para mim.

Nos casamos quatro anos depois e fizemos uma bela cerimônia com poucos amigos. Um dos dias mais felizes da minha vida.

Eu continuei morando naquele condomínio até nos casarmos porque todo mês eu ia na floresta tentar obter uma resposta. Camila não acreditava na minha história e por isso me convenceu a seguir em frente. Compramos uma casa em outra cidade e eu voltei a viver.

(Aliás, muitas pessoas saíram daquele condomínio. O que não é estranho, já que uma mulher morreu e no dia seguinte dois homens desapareceram...)

Camila também é delicada (é claro), apesar de não parecer se você não conhecê-la bem. Ela é mais velha que eu e a pessoa mais romântica que já conheci! Ela foi a primeira a comentar sobre adotar um filho e esperamos quase dois anos pela criança com o perfil desejado: um menino com menos de quatro anos. Eu não me importava com o gênero, mas Camila queria muito um menino!

– Será que é cruel escolher uma criança com bom estado de saúde? E as crianças doentes? Quando se engravida não se pode escolher isso. E não é cruel adotar apenas um? Ai, são tantas crianças sozinhas! Tem mais crianças órfãs que pessoas querendo adotar, não é? – essas eram minhas inseguranças.

– Meu amor, não temos condições para adotar mais de uma criança, assim como não temos condições para pagar hospitais e cirurgias. Eu não sei que tipos de problemas de saúde poderiam vir... Já que temos direito a escolha, vamos fazer o bem para essa criança. E eu já fiz uma pesquisa, na verdade há mais pessoas querendo adotar que crianças órfãs. O problema é o perfil exigido pelos pretendentes.

– Eu só espero que dê tudo certo. Tem tantas pessoas que são contra casais homoafetivo adotarem. Espero que ele não sofra preconceito...

– Com certeza ele vai. É inevitável, as pessoas não sabem respeitar e muito menos tomar conta da própria vida, mas não se preocupe. Eu mesma dou um jeito nisso!

– Nós daremos um jeito nisso.

Nosso filho se chama Sílvio – o engraçado é que ele tem traços asiáticos –, ele tinha três anos e era a criança mais elétrica que eu tinha conhecido: estava sempre correndo. Literalmente sempre. (Sério, aquele menino tinha uma energia infinita). E sorrindo. Um sorriso tão lindo e inocente!

Sílvio animou a nossa vida. Uma criança pode ser a alegria da casa se nessa casa se houver amor. Eu o amei amo tanto! Com ele eu entendi ainda menos como meus pais puderam me tratar tão mal – eu nunca rejeitaria Sílvio... a não ser que ele cometesse um crime grave.

Aos cinco anos Sílvio dizia coisas estranhas:

– Mamãe, eu já fui uma menina, mas agora eu gosto de ser um menino.

– Mamãe, a senhora me dá uma de todas as flores que tem na Lojinha?

– Eu já fui uma árvore beem grande! Mas eu tô feliz por ser um menino pequeno.

Ele não lembrava com detalhes, mas eu sabia que era ela, afinal essa é uma história clichê. Eu não quis sobrecarregá-lo, então nunca contei sobre sua vida passada. Eu não sei se os Deuses fizeram de propósito, mas por mais estranho que fosse eu estava feliz por meu filho ter sido minha melhor amiga na vida passada. No começo foi estranho porque eu não parava de associá-los. Quando Sílvio foi crescendo a personalidade dele era bem parecida com a dela, mas havia algumas diferenças: ele não fazia tantas piadinhas e não era tão ingênuo. Com o tempo eu fui aceitando que de alguma forma Sílvio era diferente de Lianne, mesmo que tivessem a mesma essência.

E eu só reencontrei "Samael" quando Sílvio tinha treze anos.

Eu e Camila mudamos Sílvio de colégio e ele conheceu Larissa. E eu só percebi que Larissa era 'Samael' um ano depois!

Larissa era quieta e doce. Falava pouco e era gentil. Não se incomodava tanto com multidões, mas é uma pessoa de poucos amigos e discreta. Ela também não tinha lembranças claras da sua vida passada, mas algumas dicas me fizeram suspeitar:

– A senhora me lembra alguém...

– Às vezes eu me sinto mais feminina e às vezes mais masculina. É estranho?

– Eu gosto de livros tanto quanto você gosta de filmes, Sílvio!

Eles eram diferentes e se completavam. Eu imagino que com o tempo suas diferenças irão se misturar e eles vão ficar tão parecidos que se tornarão um só, mas agora são apenas duas crianças que se consideram amigas.

Samael e Lianne finalmente têm a chance de ficar juntos.

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