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O bom de morar no rio é poder sair em qualquer margem, sempre deixo roupas escondidas em muitas delas, uso tudo o que minha avó me ensinou a usar para manter a higiene e claro um bom desodorante, porque levantar o braço e ter inhaca não é legal e estar todo pitiú é pior ainda.

Estava andando pela margem quando avistei de longe meu gatinho, porque ele vai ser meu, e meu plano de conquista começa agora. Apuro meus ouvidos e percebo a aproximação de outra pessoa, que espero não ser nem um daqueles galas secas da festa, não tô nem leso pra deixar passar de hoje a pisa que quero dar neles. Mas não é, quem se aproxima tapa os olhos do garoto e mantém o corpo afastado, não diz nada até que ele fale um nome que também me dá cuíra¹⁴, Doca, o amigo daqueles lá. fico de longe na mutuca¹⁵ só abicorando¹⁶ os dois, vou ver no que vai dar e qualquer coisa me meto.

- Soube pelos garotos que tu estavas na festa. E que não estavas sozinho. Teu pai já sabe que andas de caso novo?

- E o prefeito já sabe que o único filho é frutinha, que posa de machão com os amigos mas que adora mesmo é levar tora? Porque em casa ou fora dela, nunca escondi o que sou. E é melhor vazar¹⁷, estou esperando alguém. - Gostei de saber que ele não se esconde, e mais ainda do fora que deu no tal Doca.

- Estás esperando o tatuado? - Achei melhor aparecer e ao contrário desse mocorongo¹⁸, chego fazendo barulho e chamando atenção, meu garoto me olhou sorrindo e levantou.

- Atrasado!

- Mas quando!¹⁹ Cheguei há pouco tempo, mas deixei esse calango²⁰ falar tudo o que queria. Borimbora?²¹

- Vai mesmo me deixar por causa desse monte de músculos tatuados? Aposto que é pra esconder as marcas de curuba.²²

- Égua!²³ Tu achas que és quem pra vir de intimidade? Rasga se não o pau-te-acha.²

- Nem te bate²⁵ com ele Beto, borimbora que daqui a pouco o coroa chega em casa pro jantar, e de hoje tu não escapas de conhecer o teu sogro.

- Não fala assim, era pra ter sido ontem, mas tu correu de medo da visagem.²⁶

- Até parece, deixa de bestagem,²⁷ a festa que tava muito palha e deu sono. Vamos? - Durante toda essa nossa troca de intimidade, como se já fossemos um casal o calango seco continuava parado como quem assiste uma partida de ping pong. 

Começamos a andar rumo a não sei onde e o pomba lesa²⁸ voltou a falar.

- Não acredito que tu vais mesmo me trocar por isso daí. Se quer mesmo isso, só te digo vai!²⁹ - Ainda se arma feito pavão querendo parecer grande, tentei voltar e arrebentar a cara dele, mas o meu gatinho me segurou pela mão, um toque tão quentinho.

- Não vale o esforço. Agora vamos sair daqui que ainda quero mesmo te levar em casa. De hoje não passa, tu sabes.

- Como tu quiseres. 

Nos afastamos do tal Doca e seguimos rumo a pequena praça que chamam de matriz por causa da igreja. Adoro esse lugar, é tudo tão perto e tão simples. Boa parte do caminho foi feito em silêncio, mas depois de passar pela igreja e seguir andando quase sem rumo, ouvi passos distantes e as vozes dos amiguinhos do Doca.

- Tem gente na nossa cola, ouvi alguma coisa. - Não queria que ele soubesse logo de cara que podia ouvir de certa distância. - Vai mesmo me levar pra conhecer meu futuro sogro sem me dizer teu nome?

- Pode me chamar de meu amor. Meus pais me chamam de Tiago, por causa da grande pesca milagrosa que tem nas escrituras sagradas, sabe? Meu nome é João Tiago, não é bonito, mas é pelo motivo que falei.

EncantadoOnde histórias criam vida. Descubra agora