Durante o jantar começou a chover, não tinha como ir embora, a casa pequena de dois quartos, sala e cozinha seria minha guarida naquela noite. A dona Mariana fez questão de dizer que mesmo sendo muito simples a casa abrigava mais um, principalmente eu. Já o seu Pedro, fez questão de dizer que tinha sono leve e que não era pra ficar namorando até muito tarde, porque no outro dia João ainda tinha aula.
A cama de solteiro era tão minúscula quanto a da casa da Carina, para caber nós dois sem risco de queda encostei a bicha na parede, o que deixou meu sogro mais traquilo, afinal o quarto dele era ao lado. Deitei e puxei meu ursinho pros meus braços, ele deitou com a cabeça sobre meu peito. Seria a nossa segunda noite juntos e sem fazer nada. Logo eu que nunca dormi a noite inteira com ninguém sem ter rolado nada mais quente antes.
- Quer mesmo namorar comigo? - Perguntei ainda cheio de medo.
- Quero sim.
- Mas…
- Fica quieto, tenho aula amanhã. Meu pai vai acabar vindo aqui e te mandando dormir na rede lá na sala, então cala essa boca linda e dorme. Tá tão quentinho aqui. - Sorri, meu ursinho é um preguiçoso, e se pode dormir, é tudo o que mais quer.
- Boa noite ursinho.
- Boa noite Beto.
Ele não demorou a dormir, ainda fiquei olhando o teto e ouvindo a chuva caindo na telha de barro, aquele barulho era reconfortante ali, na água era ensurdecedor, parece que um pingo de chuva retumba mil vezes e dói tanto em meus ouvidos. Mas ali não, era gostoso de ouvir e ainda tinha o vento soprando. O melhor de tudo era meu ursinho dormindo tão fofinho sobre meu peito, fui acalmando meu corpo e não percebi a hora que apaguei.
Era muito cedo quando ouvi dona Mariana levantar, primeiro ela foi até a cozinha, acendeu o fogo a lenha e em seguida pareceu sair da casa rumo ao banheiro, a chuva tinha passado. Logo quando ela voltou pra cozinha, seu Pedro levantou e foi primeiro pro lado de fora. Quando ele entrou meu ursinho se mexeu e acordou em seguida, todo descabelado. Lindo, todo meu. Aí foi a vez dele levantar e não ia ser tão folgado e continuar deitado. Levantei junto, e seguimos até a cozinha, ajudamos com o café e quando seu Pedro estava quase saindo me ofereci pra ir com ele pescar, precisava saber dele o que ele sabia sobre mim, afinal ele meio que namorou meu tio quando era jovem e pelo que a vovó disse foi pouco antes de eu nascer.
Beto, o boto. Foi como ele me chamou quando estávamos longe da margem, a canoa era pequena pra dois caras grandes como nós e a maresia tava de lance, antes de chegar no pesqueiro³⁶ a canoa virou, não sabia o que fazer quando a água cobriu todo meu corpo e afundei, era comum o corpo transformar logo que afundava, mas não aconteceu e senti alguma coisa me puxando pra cima, era o seu Pedro impedindo de me afogar. E só quando coloquei a cabeça fora da água que percebi, era totalmente humano ainda.
- Achei que boto sabia nadar.
- Achei que ia virar boto quando a canoa virou. - Depois que falei quis me bater, acabei de confessar pra um pescador que era um boto e ele podia me matar. Que idiota!
Então ele começou a rir, como se tivesse ouvido a melhor piada dos últimos tempos.
Fiquei sem entender e ajudei a desvirar a canoa, quando subi percebi a falta do amuleto que minha avó me deu, olhei pro rio como se ele fosse surgir do nada e me toquei que tava ferrado. Logo agora que arrumei um namorado, não posso mais sair pra me encontrar com ele.
- Tá procurando isso? - me assustei quando vi o amuleto na mão do seu Pedro. - Espero que tu nunca magoes meu filho, meu ursinho é nosso maior patrimônio. A Mariana nem sonha que tu é o que é, mas já percebi que não é feitiço, saberia se fosse feitiço, já vivi um e sei como é.
- Como?
- Quando namorei teu tio. Isso a Mariana também não sabe. - ele sorriu - Então, quando namorei teu tio, vivia na tua casa e acabei te vendo nascer. Tua mãe era tão linda, era a pessoa mais doce que conheci. Tu era um menino normal, então ela ficou feliz de não ter que te jogar na água a própria sorte. Ela escolheu teu nome e em seguida desejou tua sorte. Pediu a Tupã³⁷ ainda no leito de morte que o filho pudesse ser normal, tu era até aquele boto maldito te buscar. Quando tu aprendeu a sair do rio e vir pra terra tua avó me contou que o neto tinha crescido e que ia precisar de apoio quando fosse preciso, teu amuleto era do teu tio, eu dei pra ele esse cordão com vidrinho, mas quando dei não tinha nada dentro. Eu que fiz a trama com couro de onça.
- Não sei o que dizer. Mas se entendi direito, tu namorou meu tio e a Mariana ao mesmo tempo.
- Eu disse, feitiço. Não precisa dizer nada, parece que o encanto se quebrou. Virei a canoa de propósito e tu continuou humano, então só tem uma razão entre as três coisas que podia quebrar o encanto. A raiz do Tajá, o Uirapuru, ou o amor que te aceita como é.
- Não achei a raiz e o Uirapuru nunca aparece quando a gente precisa… - e foi quando me toquei, João Tiago é o amor que me aceita, estava livre do feitiço da bruxa.
Abracei meu sogro e seguimos remando rumo ao pesqueiro. Foi um dia cheio de peixes, todos os pescadores ficaram felizes, olhava meu sogro e ria contente, não tinha mais nada que me impedisse de viver como gente. No final do dia de pescaria, tava todo mundo muito feliz, tinha peixe o bastante para vender e todos teriam um pouco mais de dinheiro. Alguns pescadores elogiaram minha atuação quando lançava a rede no rio e outros diziam que eu era cheio de sorte, todas as vezes que puxava a rede ela vinha recheada. Fui convidado para voltar sempre, disse que ajudaria o seu Pedro durante as minhas férias, todos do barco ficaram felizes.
No final do dia quando voltamos pra casa, estavam todos muito felizes, deixamos as toneladas pescadas para serem vendidas e voltamos para casa. Por ser sexta-feira, meu sogro permitiu que meu ursinho fosse comigo até a casa da minha avó. Só voltaríamos no fim da tarde de domingo. Saímos quase que correndo, queria dormir com ele em meus braços numa cama de verdade. Ele ria de tudo enquanto contava como tinha sido a pesca e ficou apavorado quando falei que a canoa virou. Não contei que o pai sabia o que eu era, disse apenas que controlava a mutação quando era preciso, afinal nem eu sabia se tinha mesmo quebrado o feitiço.
Quando chegamos na frente da casa da minha velha, ela estava de saída, não disse nem pra onde ia quanto mais, se demorava? Só avisou que tinha comida pronta e por fazer, que era pra gente se virar. Afinal nem um dos dois estava com pipo na boca,³⁸ então iamos saber o que fazer. Ela ainda falou que estava feliz em conhecer meu namorado e que teria tempo e calma para conversar com ele.
Bem depois que ela saiu, fui pegar água no pote³⁹ e encontrei um bilhete, a velha arteira deixou a casa para nós e foi passar o fim de semana na casa da irmã na outra cidade, comecei a rir e quase não consegui dizer o motivo até lembrar do bilhete e mostrar pro ursinho quando perguntou. A casa era toda nossa, então era bom aproveitar. Jantamos e depois deitamos na rede na frente da casa, quando a noite esfriou muito, entramos e trancamos a casa. Levei o João até o quarto e mostrei a cama de casal onde sempre dormi quando cresci de mais, pra um garoto solteiro aquela cama era o paraíso do sono.
Tiramos nossas roupas e deitamos, não demorou para a coisa toda esquentar. Era mão naquilo e aquilo na mão e do nada estava chupando o corpo inteiro do meu namorado, não podia ir tão rápido ele é tão inocente, mas dar umas sarradas sem medo do pai dele ver, podia. Foi a melhor coisa que vivi até aquela noite, não passou das sarradas e não passaria até que ele completasse dezoito, tudo o que menos quero é ser condenado como bandido, meu namorado é um adolescente lindo e eu tenho a vida toda ao lado dele pela frente.
____________________
³⁶ embarcação de pesca artesanal;
³⁷ em tupi, trovão; uma manifestação em forma de trovão vinda dos céus;
³⁸ não é criança;
³⁹ ainda é comum o uso de pote de barro em vilas no interior; forma de manter a água fresca;
__________
Hey babys, agora só falta o epílogo.
Votem, cometem e não me matem, teremos mais deles na história seguinte.06 de Abril de 2021.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Encantado
FantasyBeto é um garoto de 18 anos que precisa encontrar o amor até o final do ano. Vive de vilarejo em vilarejo curtindo todas as festividades do mês de junho. João Tiago é filho de pescador e não se imagina seguindo essa profissão, tem sonho de ir para a...