Capítulo 5

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Luara

Passei cinco dias trancada dentro do apartamento da dona Suzane. Realizei meu sonho de vir morar em São Paulo, mas acordo várias vezes durante a noite achando que estou presa numa catacumba. Se não fosse a Laís, a minha pititinha alegre e carinhosa, eu ia me entregar às emoções ruins que apertam meu peito.

Em menos de uma semana, já tenho muitas histórias para contar. Infelizmente, a maioria não é boa.

1. Dona Suzane deve ter assistido ao filme Matilda mais do que eu e é fã número 1 da diretora Trunchbull. Ela imita a mulher direitim! É igual uma sargentona. Só sabe dar ordens e quer que todo mundo siga as regras dela.

2. O seu André morre de medo da esposa e sempre que o cumprimento ou falo com ele o moço fica da cor das almofadas da sala: vermelho sangue.

3. Ninguém ainda consertou meu chuveiro, mas minha patroa promete diariamente que seu marido vai arrumar. A água é tão gelada que meu corpo fica duro como o de uma defunta quando termino de tomar banho. E isso piora minhas dores nos joelhos e no quadril.

4. Não tenho direito a todas as refeições da família como a Jô havia me dito. Posso apenas tomar o café da manhã, almoçar e jantar. Dona Suzane alega que está de regime e todos os moradores devem lhe dar apoio moral, portanto é proibido "beliscar" entre as refeições. E eu, como adoro comer muito, sobretudo doces, passo a tarde inteirinha varada de fome.

5. A voz de maritaca da dona Suzane pode ser ouvida em qualquer canto do apartamento, mesmo se a mulher está trancada dentro do banheiro, cantando embaixo do chuveiro. E ela é desafinada dimais, sô!

6. Ela odeia de verdade o vizinho do 910. Minha patroa fala o tempo todo do quanto não suporta "aquele marginal". Continuo sem fazer ideia do que o moço fez para ela. E não consegui conhecê-lo até hoje. Queria muito tirar minhas próprias conclusões sobre ele.

7. Fui contratada como babá (e amo cuidar da minha amorinha, como chamo a Laís), mas uma das regras da minha patroa é que não devo ficar parada quando sua filha está tirando um cochilo. Tenho que aproveitar para limpar o apartamento ou lavar a roupa da família.

8. Ontem, domingo, seria minha primeira folga, mas dona Suzane disse que tinha um compromisso inadiável com o marido e tive que cuidar da Laís.

Por causa dessa longa lista, as partes boas acabam sendo tão poucas que me desanimo. Além do mais, as dores nas minhas articulações pioraram. A Laís é pesada e só adormece no colo. Também tenho exigido bastante do meu corpo com a limpeza do apartamento. A faxineira não apareceu até hoje. Fico pensando se a dona Suzane não a demitiu depois que me contratou. Mas o maior problema é que minhas botas ortopédicas estão desgastadas. Eu deveria ter adquirido outra há tempos ou, então, ter comprado mais calçados para revezar.

Dona Marilza, como falei, sempre me ajudou. Só que ela é aposentada e esses sapatos ortopédicos são caros. Minha amiga comprava outro apenas quando o antigo não servia mais. E eu insistia para a senhorinha não se preocupar, que eu saía pouco da casa de acolhimento, então não precisava de um monte de sapatos especiais. O problema é que na Casa Lar Anjo do Amor eu não trabalhava como uma escrava.

A questão é que preciso ganhar dinheiro suficiente para procurar um ortopedista, retomar minhas fisioterapias e comprar botas novas. Quase metade do salário que receberei no fim do mês irá para o pagamento do cursinho. Ele é caríssimo! Mas tenho fé de que passarei no vestibular no fim do ano e minha sorte vai mudar.

E eu já dei o primeiro passo para isso!

Sorrio como uma boba ao sair do colégio, apertando contra o peito o papel da matrícula do cursinho pré-vestibular. Está tudo certo: minhas aulas começam depois de amanhã!

Guarde-me em seus braços [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora