Capítulo 01

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         Tudo começou quando eu quase morri. Era de noite quando ouvi um barulho estranho no jardim da casa, meu gato havia notado algo de errado antes mesmo de eu perceber e estava sentado na frente da porta de vidro olhando fixo o carro que meu pai havia deixado ali estacionado. Era um hobbie dele, comprava carros velhos e caindo aos pedaços e os restaurava como novos, a máquina que estava ali era um jeep de cor escura que ocupava metade da frente da casa e com isso fazia parecer que aquela escuridão densa era a única coisa ali além dos inúmeros vasos de planta que minha mãe colecionava. Rajah encarava o carro balançando o rabo nervosamente sem desviar o olhar havia alguns minutos o que não era incomum já que ele sempre fazia isso quando eu estava na sala, mas depois de meia hora sem se mover do lugar ele se levanta e com o baque surdo que veio de trás do carro faço o mesmo.

          Do pouco que a minha memória permite reviver daquele momento, eu me encontro de pé, procurando algo entre as plantas e o carro, alguns gatos da vizinhança passeavam em nosso telhado de noite e me perguntei se não tinha aumentado a coisa na minha cabeça mas de fato havia alguém ali. Eu sei que é estúpido, e é assim que as pessoas morrem em filmes de terror mas tive que averiguar, teria medo de achar um bicho machucado ou morto ali e na hora não havia me passado pela cabeça que era uma pessoa. Mandei Rajah ficar ali dentro e liguei as luzes de fora pra ver melhor, saí quieta procurando outros sons e depois tudo que consigo me lembrar foi de um clarão e um barulho de estouro muito alto, uma dor que queimava e então tudo ficou preto.

            Acordei 3 dias depois sentindo uma ressaca enorme enquanto tentava entender porque o teto do meu quarto era de um branco quase encardido, quando percebo que está claro demais pra ser meu quarto me arrisco a olhar ao redor e vejo máquinas trabalhando como um organismo vivo, um monitor marcava batimentos cardíacos que só pude identificar pelo movimento pois o nome nele ainda parecia embaçado enquanto outra máquina fazia um barulho alto de sugar e soltar o ar com uma peça curiosa que enchia e se esvaziava, meu corpo parecia estranhamente dormente, entopecido eu diria, aquela sensação que se tem quando você acorda mas o seu corpo ainda parece estar dormindo. Era estranho. Puxo o braço e algo faz barulho caindo e a medida que os membros voltavam a funcionar puxo os fios que estavam grudados no peito os arrancando da minha pele, não sinto dor, mas era esquisito, as máquinas começam a disparar como loucas e antes que eu perceba um homem de jaleco branco aparece na porta.

-Uffa! Você tá bem... -Ele diz aliviado passando pela porta em minha direção enquanto pega uma prancheta na ponta de minha cama. - Não se preocupe! Está tudo bem, você está a salvo.

            Ele responde como se já soubesse o que viria a seguir. Eu sentia um gosto horrível na boca e a tosse que se seguiu quando tentei falar despertou meus sentidos pra sensação incômoda que sentia em minha garganta.

-Não faça muito esforço. Você ainda precisa de descanso. -Ele se abaixa e arruma o suporte para o soro que estava derrubado no chão olhando com cara feia para a sacola quase vazia e com muita calma recolhe os fios - Você se importa se eu colocar essas coisas de volta? Você ainda precisa de monitoramento.

              Como ainda sentia minha garganta arranhar assinto pra ele devagar levando a mão ao pescoço massageando enquanto vejo o médico cuidadosamente grudar os eletrodos de volta em minha pele. Observando ele trabalhar só agora percebo a outra camada de panos debaixo da camisola do hospital, com o abdômen enfaixado e a perna devo ter feito alguma careta pois a próxima coisa que ele faz é me encarar.

-Bom, vamos falar sobre você então. - Ele pega um copo ali do lado e serve de água me entregando - Consegue segurar?

               Assinto com a cabeça pra ele pegando o copo e bebendo o líquido sentindo descer suave pela laringe. Parecia que não bebia água há dias e parece que foi isso mesmo...

-Você se lembra do que aconteceu?

-Vagamente.... -Olho ele respondendo com a voz rouca

-Ao que me contaram, houve um assalto a mão armada e você foi a heroína da vez salvando sua família. -Ele lê no prontuário. Não dá pra saber bem o que se passava na cabeça dele mas o misto de "uau" e "idiota" na expressão dele falaram muito.- Me conte, o que se lembra?

-Eu tava na sala, mexendo no meu computador quando ouvi um barulho lá fora. Quando fui ver... Pera aí. Eu não deveria estar falando isso pra polícia?

-Também, eles chegarão logo. Estavam ansiosos pra falar com você.

-Como assim? - Pergunto a ele sem entender se era um comentário sarcástico ou não.

-Você sabe onde está?

-Hospital?

-E há quanto tempo está aqui?

-Foi de noite então imagino que algumas horas...-Dou de ombros

-Você apagou por 3 dias... -Ele me olha surpreso. E agora as coisas começavam a fazer sentido.

                 Mais tarde a polícia voltou e dei meu depoimento, ao que parece nenhum profissional gosta de dar as informações certas então eles me deixaram lá de novo sem saber o que realmente havia acontecido. No fim da tarde eu já estava acordado pela terceira vez naquele dia porque o que quer que colocassem naquele soro estava me dando um sono descomunal. Explicaram que eu fui baleada duas vezes e não sei onde tá a sorte em saber que os dois projéteis me acertaram, mas se o médico diz então deve ser verdade. Eu deveria ficar ali por mais alguns dias em observação e com o quadro de infecção que o mundo estava passando iriam de deixar numa quarentena já que algum incompetente me levou a ala errada e havia também a possibilidade de ter sido contaminada. Novamente, não sei onde a sorte está em tudo isso. Porém, eu poderia garantir os meus sagrados dias de paz longe de casa aproveitando o silêncio de minha própria companhia ou era o que eu esperava que acontecesse.

-Ou! -Me chama a voz da maca ao lado

- O que? -Pergunto num meio suspiro me virando pro lado.

-Ainda bem! Você tá "off" desde que eu cheguei, já tava achando que tinha morrido! -Comenta a garota ao meu lado num tom divertido- Não te vi aqui ontem, qual o teu B.O.?

-Fui baleado.

-Putz, que droga ein? Qual teu nome?

-Mal.

-Oh! Legal! O meu é Jules! Seu nome é tipo, diminutivo de Magdalena? Malu? Ma...riel? Ou um nome diferente? Ou é apelido?! -Ela pergunta cada vez mais empolgada.

-Só Mal.

              Viro pro lado mas isso não impede da outra garota continuar falando, e com outro suspiro dou adeus às "férias" que eu teria naquele lugar.

7 dias no paraísoOnde histórias criam vida. Descubra agora