Capítulo 08

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Ana Vitória

Já faz um tempinho que eu acordei e vi as meninas em volta de mim, mas infelizmente eu ainda lembrava de tudo que tinha acontecido, queria eu que fosse só um sonho! E chega a ser inacreditável porque parece que todos em volta de mim acabam morrendo.

Karen: Amor, aqui o seu chá de camomila... eu sei que é foda mas você tem que manter a calma e não surtar, se não é pior.

Maycon: Ai mãezinha, cuida da tua filha nossa senhora... a vic não pode ter mais crises assim.

Maycon era muito religioso, mas depois de tanto sofrimento que eu vivi, mesmo pedindo proteção a Deus, acho que acabei desacreditando.

Vic: Olha só, não sou uma criança gente, e eu já passei muitas vezes por isso, não precisam se preocupar.

Eu peguei a xícara da loira e ela se sentou em meu lado e me abraçou, era uma coisa que eu realmente tava precisando sabe, foi quando senti o choro vindo de novo e sem querer deixei meus amigos mais preocupados ainda.

Bia: olha só... fica na minha casa por um tempinho, até tu superar e ver o que quer fazer.

Concordei só com um gesto de cabeça e fechei os olhos.

(...)

Olhei o relógio que marcava uma da manhã e dei uma espiada na minha amiga que estava no outro sofá, dormindo. Depois daquilo tudo eu e bia viemos para cá, era uma casa feita só para uma pessoa mas não víamos problemas em dormir na mesma cama e seria por pouco tempo.

Mas o problema agora era minha falta de sono, eu não conseguia parar de pensar na minha irmã, por isso decidi me levantar e sair para pensar um pouco.

A favela de noite era linda e me lembrava muito minha vózinha e agora a Clara, mas o foda era o tráfico, a guerra, a pobreza e os problemas que isso trazia para os moradores.

Comecei a caminhar no meio da rua mas não demorou para eu entrar em uma viela e terminar numa rua bem afastada da casa da bia, eu nunca tinha vindo para esses lados principalmente pela quantidade de boca que aqui tinha.

Xxx: Ana Vitória?

Levei um susto e acabei me virando em direção da voz, que vinha de cima de uma laje. Era o Grego.

Vic: Grego? — minha voz falhou um pouco mas mantive o olhar preso no seu.

Ele ficou em silêncio, na verdade concentrado em terminar o baseado entre seus dedos, mas essa quietura durou poucos minutos porque minha curiosidade falou mais alto.

Vic: vocês descobriram quem matou minha irmã?

Grego: facção rival, nós interrogamos a maioria, alguns morreram no processo mas mesmo assim conseguimos algumas coisas soltas.

Senti um arrepio correr pela minha espinha e tive que quebrar o contato visual. Se alguns morreram, foi porque o método que eles usaram era... tortura.

Vic: eles fizeram por causa de alguma missão ou... ou eles só querem guerra mesmo.

Grego: não posso falar bagulho de facção pra quem não é do movimento.

Vic: então eu entro para o movimento! Eu não aguento mais não ter respostas, a morte da minha vó foi ok porque ela tava doente mas eu não consigo aceitar que minha irmã se foi só por estar no lugar errado e na hora errada. Grego, eu preciso de respostas!

Eu explodi e voltei a olhar grego que, dessa vez, pareceu surpreso.

Vic: olha me descu...

Grego: Vitória, sobe aqui na laje.

Sua voz saiu em um tom de ordem, e eu o obedeci por medo, ou talvez por curiosidade. Eu entrei dentro da boca e fui subindo as escadas que dava para a laje, quando cheguei lá em cima tive uma ótima visão de suas costas nu com uma camisa do flamengo em seu ombro e, na frente, a favela iluminada no meio da escuridão.

Grego: senta aqui porra... eu não mordo fácil não.

Caminhei até ele e me sentei na beira da laje, do seu lado mas mantendo uma distância. Meus olhos curiosos logo encararam o homem ao meu lado que tragava um pouco mais do cigarro de maconha.

Grego: não temos muitas respostas também, mas eles não mataram ninguém a não ser sua irmã. Foi um plano muito bem pensado ta ligado, eu conheço bem malandro esperto, eles sabiam o lugar e a hora exata que a tua irmã estaria na rua e fizeram uma distração do outro lado da favela para ela ficar vulnerável. Tudo foi um bagulho pensado, eu acho que foi a primeira missão de muitas outras, e o que mais me fode foi que não tem como esses bagulhos serem coincidência... eu acho que...

Ele mesmo parou de falar e negou com a cabeça, talvez ele estava com receio de contar isso para mim.

Vic: por favor... eu preciso de respostas, acha mesmo que eu explanaria coisa que tem haver com a minha irmã?

Grego tragou mais uma vez, depois me encarou com os olhos cansados e continuou:

Grego: Informação é um bagulho foda, mina! Eu conhecia tua irmã a anos mas tu mermo só agora que eu conheci, e eu sou dono de favela porra, preciso ter esse filtro na língua.

Vic: Eu posso ajudar porra, minha irmã trabalhou para vocês por muitos anos mas eu conheço ela desde quando nasci, eu sei muito mais do que tu e teus mano.

Grego: ta falando que quer entrar no movimento só para ter respostas? Ana Vitória a vida não é rosas que nem tu ta pensando não.

Vic: Eu não tenho mais nada a perder Grego... e a minha irmã vivia falando para eu dar uma chance para a favela e enxergar o lado bom de todos vocês — eu dei uma pausa e abaixei o olhar — a vida é feita de desafios também... se for preciso isso para eu descobrir e me vingar de quem cometeu aquela porra com a minha irmã, eu vou até o fim.

Grego: O crime não é vida fácil, tu é inexperiente, teria que começar desde o início e até tu alcançar um cargo de confiança, demoraria anos ta ligada? O que tu ta falando é um monte de baboseira.

Vic: mas eu estou falando com o dono do crime aqui da Cidade de Deus, não to? Tu me disse que precisa me conhecer para me dar informação, então essa seria uma ótima oportunidade para isso, além de que tu nem precisa me pagar, eu trabalharia em troca de informações da minha irmã e eu vou fazer você ter confiança em mim.

Dito isso, me levantei e encarei o homem nivamente, meu corpo todo emitia medo e relutância, mas eu sentia que era aquilo o caminho certo.

Vic: me da essa chance, grego. Me deixa eu conhecer e amar essa favela como minha irmã um dia amou, e em troca eu demonstro toda a minha confiança pra tu — ele respirou fundo — Não precisa me dar respostas agora... eu to dormindo na bia e eu trabalho lá, então qualquer coisa já sabe onde eu to.

Eu sai dali com um incômodo na barriga, mas meu coração estava leve e no fundo eu sabia que a clara estava orgulhosa de mim.

E eu buscarei vingança por ela.

A Luz Da Vela [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora