Despedidas;

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  No dia em que tia Daia e tio Trevor foram para São Paulo, eu tive que ir até a escola me despedir dos meus "amigos", estava mais pra colegas, mas eu queria me despedir da dona Maria, a tia da merenda, sempre que eu estava de horário vago ela me deixava ficar na cantina, assim eu não ficava sozinha, e ajudava ela a preparar nossa refeição pro lanche, ela era uma pessoa muito querida pra mim.

  Depois de contar para todos de minha partida, eu ganhei um abraço coletivo de todos, eu não sei se fizeram aquilo por vontade própria ou porque estão contando que nunca mais vão me ver, eu que não coloco minha mão no fogo, por eles não, alguns até choraram, isso me cheira à lágrimas falsas, mas não posso reclamar, ganhar tantos abraços foi muito bom, eu queria ter tido mais amigos, ganhar abraços todos os dias, sentir um carinho verdadeiro de amigos, e levar boas memórias daqui.

  Depois foi a vez de dona Maria, aquilo foi mais difícil ainda, ela não precisou falar um "a", e eu já estava derramando um aguaceiro.

  - Eu não quero ir, dona Maria, eu sei que é uma oportunidade boa, mas não estou pronta pra começar em uma nova escola, novas pessoas, estou muito bem aqui, mas as vezes fico dividida entre ir e ficar.

  - Eu sei, minha menina, mas como você já disse, é necessário, e eu sei que você vai se dar bem na nova escola, as pessoas vão ter a oportunidade de apreciar de verdade a garota incrível que você é, e olha, de vez em quando eu vou te visitar, é só me passar seu endereço assim que chegar lá.

  - Combinado. - eu disse secando as lágrimas. 

  Eu me apeguei de mais a ela, talvez fosse mais difícil pois eu via como sua saúde estava declinando, e eu não podia fazer muito, a não ser tornar a vida dela um pouco mais fácil, mas agora que eu estou indo embora, quem vai fazer isso por mim? 

  Voltei pra casa, e meus tios ainda não tinham chegado na cidade, a viagem durava umas 24h, então provavelmente só chegariam lá no dia seguinte, e eu tinha muito o que fazer, dentre cuidar dos animais, e me despedir aos poucos de cada pedaço da fazenda.

  Depois de almoçar, e alimentar meus amigos quadrúpedes, fui andar até a cerca superior da fazenda, as pessoas diziam que ali tinham onças, mas eu não acreditava, nunca tinha visto uma onça por ali, talvez as pessoas mentissem para afastar crianças aventureiras, ou algum curioso, isso tinha funcionado por um tempo, mas não tanto.

  Já tinha um tempo que o Sol brilhava com uma luz pasma, como se aquele que nos iluminava fosse uma réplica do verdadeiro. Parecia que a cada dia os astros resolviam se mostrar menos, talvez a humanidade esteja matando sua magia, com suas dúvidas e energias negativas, talvez os astros estejam nos trocando por outra dimensão, e quando menos esperarmos o Sol nos abandonará, e o espaço da Lua, será somente um vazio no vácuo, e sobre as estrelas? Deixarão para trás um céu escuro, tudo que nos restará será uma iluminação artificial, e vamos sentir falta do que nunca demos valor.

  No final  da tarde, caminhar pela clareira é minha rotina, aquele momento entre os últimos raios do dia e os primeiros traços da escuridão noturna, me fazem ter uma ligação maior com o natural, ouvir os grilos que formam uma sintonia de sons com as cigarras e os sapos. Quando eu era uma criança, tia Daia dizia que eles faziam aquela canção para a Lua, assim ela nos protegia dos perigos da noite.

  Talvez esse seja o motivo pelo qual eu sou tão ligada em tudo, o que eu puder ver estarei de olhos abertos, o que eu puder ouvir estarei de ouvidos abertos, contar todas essas histórias de minha infância, será minha diversão com meus futuros filhos, eles vão ter muito o que ouvir, sempre que se sentirem entediados, ou antes de dormir, e talvez meu marido também, se ele for tão contador de histórias quanto eu.

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  Nunca gostei de dormir na fazenda sozinha, eu até aprecio os sons pré-noturnos, mas depois que escurece de vez, tudo me assusta; O vento que bate e balança as folhas das árvores, e que raspam na minha janela, como grandes garras, prontas para me pegar, me torturar e me engolir em uma bocada. Talvez a fera selvagem que me persegue, sejam só meus instintos que não dou vida.

  Nessa noite em particular, tudo parece mais sombrio, acho que eu deveria parar de assistir tantos filmes de terror, se tio Trevor souber disso ele vai rir da minha cara até a morte, e eu sei disso, pois até hoje ele tira sarro pelo fato de eu ter mordido meu pé e chorado, eu tinha um ano, qual é.

  Antes de me deitar, pude jurar que tinha ouvido batidas nas portas, então aquele foi o motivo pelo qual minha cama me pareceu tão bela, o fato de não querer atender seja lá quem fosse, o Zé do Caixão podia esperar pro dia que meus tios voltassem.



Rainha da NaturezaOnde histórias criam vida. Descubra agora