Viagem ao Desconhecido;

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        Depois de uma semana, tia Daia e tio Trevor voltaram pra casa, aparentemente tudo estava certo, o carreto viria buscar nossas coisas na quarta, tio Trevor ia voltar pra São Paulo na terça, para se certificar de que tudo chegaria bem. Eu e tia Daia iriamos no sábado, para ter certeza de que tudo foi em segurança, esses dois se completam mesmo.

        Cada dia era uma despedida dolorosa, eu realmente não estava pronta pra deixar meu lar pra trás, começar em um novo lugar. Talvez aquilo não fosse uma boa ideia, mas quando se é jovem, a maioria das coisas que você faz, é aceitar a decisão dos outros, sua súplica é um grito pro vazio, pois provavelmente, ninguém vai te ouvir.  

       Eu queria ter muito mais a levar, quem sabe algo que me lembrasse da fazenda, então na terça, depois que tio Trevor pegou o ônibus, sai pela fazenda, em busca de algo além de lembranças. Mas não era uma tarefa fácil, existe uma coisa mágica em guardar objetos, o que as pessoas veem como lixo, você vê como seu pequeno tesouro, como a embalagem do primeiro salgadinho que você dividiu com a pessoa que ama, ou a conchinha bonita que você encontrou na primeira vez que foi na praia, tudo isso são tesouros que nos fazem driblar a amnésia do tempo.

         Mas depois de horas procurando por um algo, infelizmente eu ainda não tinha encontrado nada, talvez aquilo fosse um sinal, de que eu deveria deixar tudo pra trás mesmo, a ideia de um recomeço as vezes é tentadora, quando suas expectativas se tornam apenas isso, expectativas. Com isso no coração, me sentei em baixo do pé de manga, que fica bem longe da casa movimentada pela minha tia, e sua energia de arrumação, eu realmente preciso desses minutos de paz.

        - Ai!

      Estava perdida em meus pensamentos, quando algo me acertou, pobre Newton, acho que a maçã que ele levou na cabeça não foi nada gostosa, no fim das contas. Olhei pro chão, e lá tinham duas pedrinhas, muito bonitinhas por sinal, e eu nunca tinha visto pedrinhas daquele jeito por ali, era inexplicável, elas pareciam brilhar, e se pareciam bastante com a superfície do Sol e da Lua, que eu já tinha ouvido serem descritas por minhas colegas. 

     - Que coisa mais estranha, eu tenho certeza que não foram elas que me acertaram, provavelmente foi outra coisa, mas parece que essa "coisa", queria que eu encontrasse elas, pode não ser um fato, mas é uma boa história.

       Finalmente com meu objeto de lembranças em mãos, o que me renderia uma boa história pra contar pra algum amigo futuro, voltei pra casa saltitando, já querendo mostrar pra tia Daia. Mas quando cheguei lá, ela estava ocupada de mais naquele fim de tarde, e com nossa viagem tendo sido remarcada pra quinta, ela estava ainda mais eufórica. 

        - Daisy, sobe no quartinho de despensa pra mim, e veja se não esqueci de pegar nada, por favor.

         A correria dela em todo caso era muito engraçada, porque ela corria de um lado pro outro, com seus cabelos meio grisalhos correndo atrás dela. Tia Daia é uma mulher realmente muito bonita, o que me faz pensar: como minha mãe estaria hoje em dia? E o meu pai? Será que eles estariam jovens e cheios de vida ou com uma aparência meio cansada, por conta de algumas preocupações? Bom, no fim imaginar não é o suficiente, eu sinto saudade deles, embora não os tenha conhecido tão bem.

       Depois de verificar a despensa e todos os outros cômodos que tia Daia pediu, finalmente consegui me sentar na varanda e observar as estrelas, que pareciam acenar pra mim, eu sempre tive essa sensação, mas sempre guardei pra mim também, tem coisas que não consigo contar pra tia Daia, com tudo que eu imagino, já estaria em um hospício. 


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Dia da viagem;

         O dia da viagem chegou, passar 24h na estrada, vendo paisagens desconhecidas, coisas novas a cada quilômetro, eu podia estar triste, mas também estava eufórica com tudo aquilo.

      O ônibus sairia da cidadezinha vizinha, então tia Daia pediu para o nosso vizinho nos levar em seu carro, e pra minha surpresa, ela me deixou ir na carroceria, junto com o cachorro, Bob, o que seria uma grande diversão, visando que Bob de vez em quando me fazia companhia de baixo da clareira. 

      Ver a casa ficando pra trás, com suas janelas tampadas com tábuas para que ninguém entrasse, já tornava tudo um pouco melancólico, e ver a distância que começava a nos separar, me deixava ainda mais com o coração na mão, o que me distraía era Bob, que de alguma forma, parecia estar triste com tudo aquilo também, mas eu não podia confirmar nada, afinal, ele não era meu, e é difícil conhecer os sentimentos de um bichinho que não é seu.

       Depois de colocar nossas bagagens no ônibus, me despedir de Bob e nosso vizinho, que prometeu ficar de olho nos arredores, finalmente entramos no ônibus, e eu pude deixar uma lágrima cair, eu não tinha algo ou alguém que me prendesse ali, mas as lembranças boas que eu ia guardar do meu lar eram muito mais dolorosas do que ver alguém ali no ponto, ficando pra trás, virando um pontinho que esperaria por meu retorno, ou não.

       Descobri bem cedo que viagens me deixavam enjoada, o balançar do veículo e aquelas imagens borradas passando pela janela, então tia Daia me deu um remédio, que infelizmente, me fez pegar no sono, até mais desconhecido.

Rainha da NaturezaOnde histórias criam vida. Descubra agora