idênticas

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desses pensamentos que me visitam sem aviso prévio, seguro-os nas mãos e torço-os até que todo sentido escorra por meus dedos. encaro cada palavra pensada: o amor e a morte são irmãos. gêmeos siameses, até, eu acho. quanto mais encaro as sombras de cada um, é quase impossível distingui-los.
    quando descobri a farsa da nossa eternidade pela primeira vez, me senti completamente enganada por todos os adultos. saber que trezentos e cinquenta e sete anos (e meio) de vida era uma idade impossível de ser alcançada levava-os instantaneamente ao riso e ao meu choro vergonhoso. rios de lágrimas surgiam no travesseiro, noite após noite, em que funerais inventados para cada membro da família que eu amava incondicionalmente eram recepcionados na minha cabeça. na véspera de natal daquele ano, dormi apertada entre o abraço dos meus pais, por ter sonhado com a minha própria partida.
        ao fim do dia, com grande ajuda dos presentes e da visão capitalista das datas festivas, esqueci-me do sonho. e da morte em geral. aos onze anos, a sorte em estar ocupada contando os ladrilhos das ruas e pulando em sofás era completamente subestimada, ainda bem. até uma ligação de domingo me levar à um encontro inesperado. encarei-a nos olhos. não era nada do que me disseram, mas era exatamente igual ao que parecia. era ela. e dava pra saber, porque no fundo, todo mundo sabe.
           já o amor, tive a sorte de conhecê-lo antes de saber pronunciar sua primeira vogal. na barriga da minha mãe e na voz das minhas irmãs, ansiosas por mais uma menina. no olhar terno dos meus avós e no afeto silencioso do meu pai. nas palavras firmes e secretamente amorosas da minha mãe e na preocupação genuína dos meus amigos. nos bichinhos das ruas. nas músicas. nos olhos de quem não me olhava, enganada pelo reflexo do meu próprio querer. e então, o amor vestido de gente, de cheiro, de pele e de todos os interesses humanos. depois de tantas referências, deveria ter reconhecido-o de primeira. encarei-o nos olhos. não era nada do que me disseram, mas era exatamente igual ao que parecia. era ele. e dava pra saber, porque no fundo, todo mundo sabe.
         a falta de amor pelo espelho mata nossa confiança. um amor não concebido é a morte de um futuro imaginado e das folhas enfeitadas pelos rabiscos de sobrenomes. amar sozinho despedaça nossa individualidade até nos tornarmos pó. um amor completo cessa cada uma das nossas inseguranças. sentimos intensamente o fim, e desmoronamos perante a perda de quem amamos. nos apaixonamos por lugares, filmes, músicas e histórias, as quais decidimos dedicar uma fração do nosso tempo tão curto por aqui. porque a morte é a entrega da vida, e o amor também. o amor nos gera, fadados à um único destino. e principalmente porque apesar das teorias, testamentos, simpatias, ensaios e teses, não entendemos nada de nenhum desses dois sentimentos universais só mensurados quando nos ocorrem.
             amor e morte: opostos. dois fenômenos que nos tiram o ar, nos modificam e nos dão consciência de vida. que a começa, ou a termina. que nos fazem humanos e tão semelhantes. duas palavras que compõe a lista enorme das coisas que me fazem perder o sono e o universo maior ainda de todas as coisas que não sei. até que a morte nos separe - ou nos mude completamente.

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