1. He Sheng

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Chá estava sendo servido em uma xícara de porcelanato comum, parecia artesanal, com pequenos ramos de flores pintados subindo pelo corpo da xícara. As mãos que seguravam o bule eram brancas e esguias, o toque era leve, mas também firme.

A luz ensolarada que entrava pela janela invadia as prateleiras repletas de pergaminhos organizados e empilhados, seus raios alaranjados refletindo no 'fio' de água que saía da boca do bule, fazendo com que parecesse uma pequena cascata de fogo sendo servida pelas pálidas mãos.

Pousando o bule na mesa de jade preto, He Xuan sentou-se de frente para uma mulher. Seus olhos dourados a olharam intensamente, analisando-a.

Ling Wen mantinha o mesmo estilo de sempre, vestes pretas com pequenos detalhes em prateado, o cabelo amarrado em um rabo alto, os fios pretos como nanquim despencando como uma cascata em suas costas. Sua expressão era serena enquanto levava a xícara aos lábios rosados e assoprava o chá.

Após um gole, suas cálidas mãos calmamente retiraram um pergaminho lacrado de suas mangas escuras. He Xuan franziu levemente o cenho; ele sabia o tipo de mulher que Ling Wen era, apesar de reconhecer o fato de ela ser extremamente educada e cordial, ele ainda temia que de dentro daquelas mangas escuras como breu havia feras sombrias escondidas que poderiam avançar nele a qualquer momento.

Claro que isso era apenas sua imaginação. Ling Wen não carregaria feras sombrias dentro de suas mangas. O verdadeiro perigo era sua mente sem limites. Reconhecer esse fato era, em suma, garantir sua sobrevivência na Corte Celestial.

Ela estendeu-lhe sobre a mesa o pergaminho novo com um lacre vermelho. O selo marcado no lacre não lhe era desconhecido, na verdade era extremamente familiar. O selo que representava a cidade em que nasceu.

O Palácio Ling Wen e o Palácio He Sheng frequentemente confundiam os pergaminhos que lhe eram resignados, causando demora nas 'demandas' dos Deuses da Corte Celestial. Então, fartos do problema, aderiram ao uso de selos, que iam desde as regiões do reino dos mortais, até dos Palácios Celestiais.

Porém, era estranho que um pergaminho que era obviamente endereçado à ele estivesse nas mãos de Ling Wen.

Com o pergaminho em sua posse, ele apenas deu uma breve analisada na superfície lacrada, sem saber quais palavras lhes eram endereçadas. "Ling Wen Zhen-jun, o que seria este pergaminho?"

Mesmo sendo uma simples frase, Ling Wen captou as perguntas escondidas entre essas palavras. "He Sheng, não entenda mal, apenas oficiais da Corte Mediana fazendo confusões novamente. Obrigado por me receber."

He Xuan desfez a expressão severa, substituindo-a por um sorriso cordial e postura mais relaxada. Ling Wen, é claro, não deixou de perceber as estacas douradas que despontavam dos olhos de dragão de seu colega.

Os dois eram os Deuses Civis números 1 do Céu, toda a Corte Celestial dependia de sua administração. Os dois, é claro, tinham uma convivência harmoniosa, ambos tinham suas obrigações e tarefas, e não se metiam nos assuntos um do outro. Apesar de alguma vezes trocarem informações e juntos auxiliarem os demais Deuses, sua relação era a típica "não somos amigos, mas também não somos rivais".

He Xuan não abriu o pergaminho enquanto Ling Wen estava ali. Os dois jogaram conversa fora até que o bule esvaziasse e se cansassem da cordialidade forçada para o momento.

Ling Wen levantou-se, e com uma pequena reverência de despedida, deixou o Palácio.

He Xuan virou sua cadeira de modo que ela ficasse de frente para a grande janela. O sol estendia sua mão de fogo e traçava os desenhos dourados que percorriam as vestes negras de He Xuan, contrastando com a pele pálida como a neve.

Entre Glória e Miséria - ShortficOnde histórias criam vida. Descubra agora