Em casa, mas longe de casa - Português

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  Bella passou pelos portões sem nem perceber que sua família tinha ficado para trás. Enquanto sua mãe tirava fotos de Lucas, seu irmão caçula, a garota nem se deu conta de que tinha voltado a andar. Era como se o lugar falasse com ela, como se a chamasse. E para Isabella, era impossível não seguir o chamado. Só para esclarecer, não haviam vozes envolvidas, como nos filmes de terror. O que Bella sentia era mais como uma aura, como se o castelo à sua frente a conhecesse e quisesse que ela entrasse. Não que fosse possível, é claro. Mas ela não se importava, pelo menos não naquele momento.
  Lucas gritou para que os esperasse, mas ela não ouviu.
  Ao contrário, seguiu em frente. Entrou pela porta da frente do castelo. A primeira coisa que viu foram as dezenas de turistas espalhados pelo hall de entrada, alguns tiravam fotos, outros escutavam seus guias com máxima atenção.
  Depois Bella olhou para cima. O teto era alto e feito de pedra, assim como toda a estrutura do lugar. Se a menina estivesse em plena consciência de si mesma, ela reclamaria do frio, já que os grandes blocos de pedra que moldavam o castelo faziam um péssimo trabalho para bloquear os ventos gelados que dançavam pela sala. Mas é claro que Isabella não estava em plena consciência de si mesma.
  Uma rajada de vento frio passou por ela mas ela não se importou em fechar o casaco. Sua atenção estava na decoração do quarto. Meia dúzia de quadros se espalhavam ordenadamente pelas paredes, mostrando homens e mulheres vestidos com elegância. Ao fundo da sala, um par de tronos dourados chamava por ela. Durante os curtos minutos em que caminhou até o fundo, Bella viu armaduras montadas como estátuas e móveis de madeira gastos pelo tempo, mas ainda em boas condições. Nada que prendesse seu foco por muito tempo. Além do mais, havia algo melhor esperando por ela à poucos metros de distância.
  Separados por uma fina corda branca, Isabella chegou o mais perto que pôde dos tronos. Ela queria passar seus dedos sobre os braços das grandes cadeiras que a chamavam. Queria tocar os estofados de veludo, tingidos de um vermelho vivo, e descobrir se estavam tão gelados quanto o resto do castelo ou se estariam aquecidos, prontos para que ela os usasse.
  A garota balançou a cabeça, como se acordasse do transe em que estivera pelos últimos minutos. Não era possível que um castelo a "chamasse". Muito menos um castelo á milhares de quilômetros de casa. 7 451km para ser exata. Bella só podia estar ficando louca.
  A menina se virou para procurar pela mãe e pelo irmão, mas antes que tivesse a chance de sair do lugar, Isabella foi atingida por uma garotinha que corria a todo vapor pela sala. Sem nem se importar com o impacto, a pequena seguiu correndo até que sumiu ao passar por uma porta á direita de Bella. Uma porta que não fora notada pelas olhos castanhos de Isabella até então.
  Já esquecendo do que estava prestes a fazer, seguiu caminho pela porta recém-descoberta.
  Ao atravessar, a menina se viu em um jardim. Um jardim morto, devido ao inverno que cobria o hemisfério norte do planeta. Apesar de ser a céu aberto, a áera era cercada por uma construção de cerca de três andares, um prédio único e circular. Dali de baixo, era possível ver vários turistas andando pelos corredores, que abriam suas vistas para o jardim onde Isabella estava. Jardim esse que, por algum motivo, a garota não encontrou dificuldade alguma para imaginar como seria se estivesse cheio de flores coloridas e vazio de pessoas.
  Bella andava pelos corredores como se soubesse extamente aonde ia, como se já conhecesse cada centímetro daquele castelo.
  O que era ridículo, se considerar que a garota era uma mera brasileira, de férias em Portugal. Era logicamente impossível que ela conhecesse, de verdade, um castelo medieval na pequena cidade de Sintra. Bella estava tão longe de casa, tão longe do apartamento que morava desde que se entendia por gente, tão longe da sua fiel companheira, Maya, a gata. Não fazia sentido se sentir em casa ali também.
  Mas se fosse ser sincera, era assim que Isabella se sentia ali, naquele castelo nenhum pouco desconhecido á milhares de quilômetros da cidade onde morava. Em casa.
  A cada corredor que andava, a cada quarto que entrava e a cada jardim que passeava, Bella sentia um estranho mas caloroso sentimento de pertencimento, de familiedade. Era como se, há centenas de anos, quando esse castelo era habitado e comandado por uma família real de verdade, com princesas, reis e rainhas, ela tivesse estado ali, ou quem sabe, vivido ali.
  Se dissesse isso alguém, lhe diriam que era por causa de suas feições delicadas e gentis. De seus olhos castanhos claros amendoados que combinavam perfeitamente com o seu cabelo, exatamente da mesma cor. Isabella já havia perdido a conta de vezes em que pessoas, tanto conhecidas quanto estranhas, lhe disseram que ela parecia com uma princesa de verdade. Daquelas que se casaram com príncipes e viraram rainhas.
  Mas isso era totalmente diferente. Isso abria uma brecha para que reencarnações e aquelas coisas de vidas passadas em que algumas religiões acreditam, sejam realmente verdade.
  Bella nunca foi muito ligada á Igreja, principalmente depois que seu pai se foi. Mas ela tinha certeza de que já tinha ouvido alguém falar que voltar para o mundo com outra vida era 100% possível.
  Mas será que ela voltaria com o mesmo corpo? E será que a vida atual e a vida passada se cruzariam de alguma forma? Será que isso seria um problema? E quanto tempo demoraria para voltar em outra vida depois de morrer? 1 ano? 10? 100? E aonde as almas ficariam durante esse meio tempo? Será que a reencarnação é uma escolha, assim como na mitologia grega?
  Isabella começou a ficar tonta, até que soltou o ar que não percebeu ter prendido nos pulmões. Respirou fundo três vezes, do jeito que a mãe havia lhe ensinado anos atrás.
  A garota olhou em volta e viu que estava quase na saída do castelo. Aquele era o último cômodo. O passeio tinha acabado. Na parede á direita, ao lado da porta de saída, Bella viu mais uma armadura montada em estátua. Essa segurava uma lança mais alta do que ela.
  Não que isso significasse muita coisa. Sua altura nunca foi um dos seus diferenciais. A falta dela, por outro lado, isso sim a destacava. Ou a escondia. Depende do ponto de vista.
  - Bella! - A menina ouviu a voz inconfundível do irmão caçula. E assim que se virou na direção do som, viu Lucas correndo em sua direção.
  Em questão de segundos, o garoto de meros nove anos já estava agarrado na cintura da irmã mais velha. Ela o abraçou de volta e sorriu. A mãe dos dois vinha andando a passos largos logo atrás, sua expressão, entretanto, não estava tão animada quanto a de Lucas. Quanto tempo teria ficado longe da família?
  - Isabella! Onde você estava, mocinha? Eu já tava começando a ficar preocupada! - Sua voz era firme, mas quando o caçula soltou o corpo de Bella, a mulher a abraçou mesmo assim. Apesar de sua estatura baixa para seus 17 anos, Isabella era poucos centímetros mais alta do que a mãe.
  - Oi mãe, desculpa mesmo. Eu comecei a andar por aí e nem vi o tempo passar. Mas eu tô bem, não aconteceu nada demais. - Fora o surto, ela pensou.
  Mas não teve tempo para falar mais nada, já que seu irmão desengatou a falar sobre tudo o que viram e sobre todos os fatos históricos que aprendeu durante o passeio. Bella ria ao escutar os relatos do mais novo, que eram complementados por comentários soltos que a mãe dos dois fazia de vez em quando.
  Em pouco tempo, Isabella já nem se lembrava mais de suas preocupações. A última coisa que a garota lembra sobre o assunto, entretanto, foi de ter chegado á uma conclusão: não importa quantas vidas ela vivesse e por quantas delas ela cruzasse ao longo do caminho.
  Porque no final das contas, ouvir Lucas gritar a menção de sorvete, mesmo que em pleno inverno, era o que a fazia se sentir em casa de verdade. Ver Lucas correr e cair em risada enquanto sua mãe tentava acompanhar o ritmo do mais novo, era a vida que ela vivia agora.
  E sinceramente? Era a que importava de verdade.

-nina :)

Creative from Dusk to DawnWhere stories live. Discover now