Tudo parecia ter voltado ao normal para Graziele. Enquanto a reputação da DESQ continuava manchada e a banda se mantinha em hiato, ela e Jaques aproveitavam o sucesso das últimas músicas lançadas. Eles ainda não tinham visto o último post de Magno.
Após o escândalo no show do Rio de Janeiro, a cantora aproveitou o ofuscamento da banda rival para se concentrar em uma pequena turnê que fez em seu jatinho executivo, tomando champagne e brindando os resultados da parceria com Jaques. Para o rapaz, além de ver sua música tocando pelos cantos do país, era um sonho ter conseguido isso ao lado de sua maior ídola, diva e sex symbol. Aquele momento ali celebrando uma música com ela, enquanto podia trocar carícias, nem parecia ser real. Era bom demais para ser verdade.
Chegando no aeroporto de Brasília, saindo do jatinho, alguns repórteres locais vieram atrás da celebridade e seu acompanhante. Um deles em específico, de um site de fofocas, perguntou quando eles assumiriam namoro, já que estavam sendo vistos praticamente grudados em todos os lugares que iam. Graziele respondeu:
— Aqui e agora. Vejam. — então agarrou a nuca e a cintura de Jaques e meteu-lhe um beijo de língua digno de cinema na frente de todas as câmeras, sem nenhum pudor. E antes que ele conseguisse se manifestar a respeito disso, ela puxou o namorado pela mão, dando as costas aos repórteres. Ele se sentiu levemente usado naquela ceninha, mas o sentimento logo passou ao se dar conta de que agora era o namorado oficial de Graziele, assumido para todo o Brasil. Aquele torpor de paixão tomou conta totalmente dele, sem dar espaço para mais nenhum pensamento.
Embarcando na já conhecida limusine da cantora, Jaques percebeu que recebia um telefonema do pai. Vendo o nome no visor, se perguntava que papel seu Viera iria representar nessa chamada: o de pai ou de grande advogado.
— Alô?
— Alô, meu filho! Primeiramente eu gostaria de lhe dar os parabéns! Estava ouvindo rádio e percebi que aquela tal música que você registrou com seu nome não para de tocar.
— Valeu, pai. — Jaques comentou desanimadamente. Seu Vieira nunca elogiava o filho se não fosse lhe dar um esporro logo depois.
— Acho muito bacana seu desempenho, provou que não quer arte só pra ser um vagabundo. — O rapaz fechou a cara. Perdia as contas de quantas vezes o pai xingou-lhe de vagabundo por querer ser artista. Seu Vieira achava que só trabalho em escritório era decente e não fazia o menor esforço para tentar ao menos disfarçar essa opinião. — Agora, sabe que precisa voltar a focar na carreira, não sabe? — carreira, para ele, só havia a de quatro profissões: militar, médico, engenheiro ou advogado. O resto era vagabundagem. Jaques sabia muito bem disso. Deu então um longo suspiro, antecipando que o que falaria logo em seguida geraria uma briga:
— Pai... eu já estou ganhando bastante dinheiro com as composições, mais até do que ganho trabalhando pra firma, eu... — engoliu em seco antes de dizer — eu não quero mais trabalhar de advogado.
Um longo silêncio se fez do outro lado da linha antes de Seu Vieira começar a rir:
— Haahahahahah... certo, é brincadeira isso, né?
— Não.
— Você enlouqueceu?! Trabalhar comigo te trás respeito, estabilidade. Coisa de artista é sorte, trambique, um dia no bem bom outro na cadeia... Não vê toda hora um famoso fazendo lambança? É só pra isso que arte serve! E ainda digo mais...
Jaques foi afastando o telefone da orelha. Não adiantava discutir com seu Vieira. O pai nunca entenderia que, além de qualquer compensação financeira, lhe encantava a convivência diária com os instrumentos, o palco, a música em si. Fazendo aquilo, ele se sentia realizado. É tão difícil alguém ter certeza de seu dom, e Jaques tinha, porém o pai não conseguia ver isso, nem dava o mínimo de valor.
Ficou tão avoado, refletindo sobre isso, que nem notou que a limusine tinha estacionado e não era na mansão. Olhou para a paisagem em volta, um pouco confuso e Graziele então disse:
— Ah, eu esqueci de te avisar, né? Marquei umas fotos agora de tarde pra capa de revista. Espera aí, tá?
Mais uma vez, ela nem lhe deu chance de responder, e saiu andando, largando-o dentro do carro, sozinho com o motorista. O funcionário parecia prestes a cochilar. Nesse ritmo, ficaria ali sozinho isolado, sem falar com ninguém por um tempo incontável. "Ótimo", pensou usando um pouquinho de ironia. Então, já que não tinha muito mais o que fazer, abriu os braços no banco, deitou a cabeça para trás e começou a cochilar.
Enquanto isso, um outro carro estacionou exatamente ao lado da limusine. Era o automóvel de Magno, que tinha sido chamado para fazer uma coluna especial na mesma revista onde Graziele tirava as fotos. Ele deu uma gargalhada irônica ao reparar a limusine ao lado do seu carro. O veículo chamativo era facilmente reconhecido.
— Ora, ora, mas veja só quem veio para cá também! O meio artístico famoso é realmente pequeno demais... — completou, bufando.
Também chamou a atenção de Magno, o talentoso compositor praticamente jogado no fundo do carro. Ele lembrou que, dentre o que se falava nos backstages sobre a equipe de Graziele, o único que realmente parecia saber o que estava fazendo ao lidar com as saídas de som era Jaques. O motorista, que então abriu os olhos, viu Magno parado, os observando por trás de seus óculos e então fez sinal para que saísse dali e fosse cuidar da sua vida. Magno não se deixou assustar. Ao contrário, aproveitou que alguém estava lhe vendo e caminhou até o vidro do motorista, pedindo para falar com Jaques. Tinha tido a súbita ideia de fazer uma entrevista com ele. O filho de seu Vieira acabou acordando com a conversa e ouviu a proposta. Concordou em falar com Magno, embora tenha ficado surpreso por ter alguém procurando por ele e não por Graziele.
— Após você começar a trabalhar com a Tesmon, a qualidade musical dela evoluiu. Como conseguiu uma façanha dessas?
— Eer... é engraçado, na verdade eu não reparei muito nisso. — respondeu, sem-graça. — Você realmente acha que isso melhorou?
— Certamente, com a sua ajuda Graziele Tesmon até foi aceita no conservatório, não é mesmo? E falando sobre o conservatório, o que tem a dizer sobre a invasão da banda que atende pelo nome de "Os Desqualificados"? Você acha que, de alguma forma, eles atrapalharam a sua performance?
— Bem... na verdade, a música da Graziele, quer dizer, a que eu compus para ela, conseguiu ser apresentada, né? Eles podem ter chegado de penetras, mas ao menos deixaram a apresentação acabar. De certa forma, eu diria que houve ainda um pouco de respeito da parte deles...
Magno agradeceu pela entrevista. Conseguiu perceber que ao contrário da sua parceira, Jaques era um homem justo. Parabenizou-lhe por isso e disse:
— Que bom que pensa assim. Então você, pelo menos, não vai se incomodar com a volta da banda, não é?
O rapaz franziu suas sobrancelhas grossas.
— Eles não estavam em hiato?
Magno apenas deu dois tapinha nas costas dele, antes de dizer:
— Percebe-se que não andou olhando a internet nos últimos dias...
E saiu rindo. Enquanto isso, Graziele dava um grito histérico dentro do estúdio de fotos da revista. Vira a última matéria de Magno sobre ela e a DESQ.

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Os Desqualificados
Narrativa generaleMilena é uma jovem adulta que deixou seu grande sonho para trás, na infância. A única perspectiva que tem agora é se mudar para a capital, atrás de um emprego para ajudar a sustentar sua família pobre. Para isso, ela vai contar com o auxílio de sua...