Voadora na Porta

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Na casa de Graziele, Ricardo corria para a porta, fugindo daquela maluca. Ela não conseguia lhe segurar e como seus capangas haviam desertado, sair de lá parecia fácil. Parecia, mas não era.

Assim que ele ia abrir o portão, puxando a maçaneta com força, percebeu que estava emperrada.

— Era só o que me faltava! — falou Ricardo, frustrado, colocando a mão na testa. Graziele começou a rir vendo a cena.

— Boa, então o machão não consegue abrir uma porta?!

Ele fechou a cara com o comentário.

— Não é isso, ela tá emperrada.

— Como assim? — Ela disse, andando para frente, na direção dele — minha casa tem caríssimas fechaduras eletrônicas de ouro, não é possível que elas estejam... emperradas. — fez uma cara de desespero ao girar a maçaneta e perceber que era exatamente isso que estava acontecendo. Ricardo já caminhava apressado em busca de alguma janela por onde pudesse saltar mas a casa tinha um teto bem alto, de forma que todas as janelas eram perigosamente altas também.

— Vamos lá, Graziele, só me fala por onde eu posso sair e quem sabe eu não te denuncio na polícia pela tentativa de sequestro.

A muito contragosto ela acabou dizendo:

— Não tem outra porta.

Ele virou a cabeça, arregalando os olhos para ela.

— Como assim?! Uma mansão desse tamanho não tem uma porta dos fundos, nada do tipo?!

— Porta dos fundos é um canal do Youtube de piada sem-graça, e além disso, é porta de empregados, eu não queria uma coisa de ralé dessas na minha casa.

Ricardo olhou para ela sem acreditar. Ela devia estar blefando, dando uma corrida ele deu a volta no térreo da casa, enquanto a madame ficava de braços cruzados esperando. Graziele tinha dito a verdade. A casa não tinha nem uma única porta dos fundos.

— Você é muito pior do que eu pensava! Uma casa desse porte e não fazer uma mísera saída de emergência por preconceito?!

— Ah, pronto, agora tudo é preconceito! Meus funcionários entram pela mesma porta que eu! Não se pode mais não desejar se identificar com um objeto medíocre... — ela falou na mais estranha certeza de que não tinha nada de errado no seu pensamento. Ricardo inflou o peito e apontou o dedo na cara dela.

— Você se acha a melhor pessoa do universo, mas não passa de uma arrogante, intolerante... medíocre!

A última palavra chocou a herdeira dos Barbosa.

— Medíocre? Eu sou medíocre? Você veio de uma vila mequetrefe no subúrbio e eu que sou medíocre?!

Ricardo, já perdendo a paciência, respondeu em um tom de voz bem alto:

— Sim, você é! Só de se importar tanto com status, glamour, e não ligar a mínima pra quem está ao seu redor, você tem o pior tipo de mediocridade: na alma.

— Que absurdo! — ela respondeu imediatamente, contudo escondendo que essas palavras lhe causaram um pouco de temor.

— Absurdo é uma pessoa mimada, cheia de tudo que quer, com dinheiro pra ajudar quem fosse, ter tanto ódio assim no coração. Por que isso, hein?! Você tinha tudo pra ser alguém feliz, é filha dos latifundiários Barbosa, uma família boa, famosa, não faz sentido.

Ao mencionar a família de Graziele, seu rosto foi se contorcendo até ser a vez dela explodir:

— NÃO FALA DO QUE VOCÊ NÃO SABE! — o berro foi tão alto que Ricardo deu até um pulo para trás de susto. Ela ignorou e continuou — Você não faz a menor ideia sobre a minha família ou a minha origem, então cala essa boca!

O baterista ficou um pouco chocado, mas ainda achou que ela estava fazendo drama:

— Fala sério, você é filha de um casal multimilionário dono de terras agrárias...

Na raiva ela soltou:

— Eu não sou filha deles! — imediatamente em seguida ela pôs as mãos na boca e arregalou os olhos. Odiava que qualquer um soubesse sobre sua verdadeira origem, ainda mais o baterista enxerido da banda da sua rival.

— Como assim? — ele ainda ousou perguntar, mas Graziele já tinha voltado à sua muralha emocional de sempre

— Pelo amor de Deus, cala logo essa boca! Já não tá contente em se meter em assunto que não é teu?! Anda, tenta arrombar logo essa porta pra eu me ver livre de você, logo de uma vez!

Com uma cara de incômodo, Ricardo finalmente se calou, procurando se concentrar e reunir forças para chutar a porta. Ele correu até o lado oposto da sala, pegou impulso e deu uma voadora na porta. Só para entortar o próprio pé no ato...

***

Enquanto isso, a primeira coisa que recebeu Jaques ao abrir as portas de seu novo pequeno apartamento alugado, foi um cartaz imenso, onde estava escrito:

"Jaques você é lindo, me beija!"

Bem alto, tocava sua música, "Tentar", e por um momento, o rapaz duvidou que aquilo fosse real. Havia um grupo de fãs histéricas na sua porta. Tão histéricas quanto ele já foi um dia pela Graziele. Baixinhas, altas, loiras, morena, parecia que absolutamente todo tipo de mulher que ele conhecia estava ali gritando por ele. Para alguém que precisou quase vender a alma para ter um pouco de atenção da mulher que gostava, aquilo era muito louco. De repente, apareceu um repórter, com um microfone e um gravador na mão, narrando:

— Estamos aqui na porta do apartamento de Jaques Vieira, autor do mais novo viral do YouTube, onde um grupo enlouquecido de fãs, passou a noite inteira só para lhe ver de perto em algum momento. E essa é a hora, o homem está aqui conosco, saindo de casa nesse momento. — então apontou o microfone para ele — Jaques, como você se sente com toda essa loucura?

Jaques tentava responder, mas a gritaria em volta dele era tanta e ele estava tão sem ar, que mal dava para ouvir o que o compositor falava. A repórter tentou outra pergunta então:

— Sua música foi postada há pouquíssimo tempo, como viralizou tanto assim, de repente?

Enquanto uma fã se jogava na sua frente para tirar uma selfie, ele conseguiu rapidamente falar que não fazia a mínima ideia do que estava acontecendo. Então voltou para dentro de casa e fechou a porta. Tinha escrito aquela música para desabafar, expor um pouco da sua verdade ao menos uma vez na vida, não era possível que fosse uma coisa tão grande assim, era? Devia estar delirando... Ficou alguns minutos parado na porta de casa sem saber se saía e encarava o povo ou se escondia, como estava acostumado a fazer. Claro, ele teve muita cara de pau nos momentos em que abordou Graziele, mas exatamente, o foco era ela, nunca foi uma exaltação dele. Jaques era um rapaz tímido de uma família rígida, ele nunca foi exaltado por ninguém. Foi então que se deu conta: já estava mais do que na hora de alguém reconhecer seu valor. Iria atender todas aquelas fãs, não seria pior do que lidar com Graziele.

Porém, antes, um telefonema:

— Zulu, mas que droga é essa, meu camarada??

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