Eu adoro sangue.
Corrigindo. Eu adoro sangue, mas gosto mais da Priscila. O pulsar do sangue dela me faz sentir coisas e essa é a melhor combinação do mundo: Sangue e Priscila. No momento, eu não tenho nenhum dos dois
Cruzei as pernas e inclinei-me sobre a carteira, me concentrando para que o cheiro de Priscila se destacasse entre os dos outros estudantes. Havia o cheiro exagerado do perfume das meninas populares, o odor cítrico dos meninos depois da educação física e o cheiro doce e pulsante de Priscila.
Eu, Pietra Campanelli, nunca fui muito fã desses livros romantizados sobre vampiros obcecados. Achava esse negócio de observar a pessoa dormindo muito sombrio, não entendia como alguém achava romântico se apaixonar por um cheiro — pagando a própria língua, agora admito que havia algo em sentir o cheiro de Priscila Vargas. Incenso, perfume e batom barato, desses escuros que craquelam depois de um tempo, então ela usava um hidratante de morango por cima. Ah, sim, eu definitivamente sentia o morango.
O cheiro de Priscila doía no estômago, visceral. Eu estava a duas respirações de entrar em pânico com o efeito que aquela garota tinha sobre mim.
— Prende a respiração — sussurrou Larissa, sentada ao meu lado. O cheiro usual dela, de cachorro molhado e perfume caro, barrou um pouco da hipnose que o cheiro da Priscila tinha sobre mim. Segui as ordens da Lari e apertei os lábios, baixando o olhar.
Larissa batia as unhas enormes na carteira dela, o acrílico fazendo um barulho ritmado. Ela gastava uma fortuna naquelas unhas, mensalmente aparecia com uma cor nova e vários enfeites. Hoje, suas unhas eram de um roxo escuro e fosco, quase vinho. Não sei como ela aguentava o peso das unhas e de todos os anéis de biju barato que ela colecionava.
Minhas unhas eram curtas, quase como as de um bebê, e eu não tinha paciência para pintar.
— Ela pode ser bi ou pan, sabe — disse Lari, desinteressada enquanto analisava as unhas gigantes. — Você poderia perguntar, não aguento mais você babando na garota. — Suspirei, ajeitando a camiseta cafona que nos obrigavam a usar como o uniforme da escola. Eu odiava. Já era pálida como um fantasma, a blusa branca não favorecia minha situação.
Priscila ficava perfeita, a pele marrom dela reluzia contra o branco do tecido, cercando-a de uma aura dourada. Não eram nem nove horas da manhã e aquela garota conseguia manter o cabelo perfeito, fazendo com que os cachos crespos contornassem seu rosto de uma maneira quase angelical.
Eu parecia mais um zumbi saído direto da cova.
— Queria eu estar babando nela — comentei com um tom choroso, então enterrei minha face nos braços dobrados em cima da mesa. Lari deu um risinho cínico.
— Não são nem nove da manhã, Pietra. Se controla — reclamou com uma careta. Eu ri e peguei minha caneta para voltar a escrever. A aula de história era geralmente cópia do quadro e perguntas sobre o texto, o que significava que os alunos estavam elétricos e conversando alto porque tirariam foto do quadro depois.
Como imaginei, o sinal para o intervalo soou alto e alguns alunos se aglomeraram na frente da sala para fotografar. Não me preocupei com terminar as anotações porque sabia que teria tudo no grupo da sala em cinco minutos.
Saí da sala com Larissa e, como de costume, ficamos num banco de madeira decadente perto da porta. Puxei meus fones e peguei meu celular para ajeitar o cabelo.
Minhas mechas cor-de-rosa estavam quase desbotadas, mas bem visíveis por causa do cabelo preto. Por causa disso, Larissa tinha meu número salvo como Draculaura no Whatsapp — usei um avatar da personagem por algumas semanas no Twitter, quando tinha acabado de descobrir o que era agora.
Lari estava concentrada no próprio celular, seus cabelos dourados incrivelmente volumosos cobriam seu rosto por inteiro. Ela era toda chamativa e brilhante, desde a pele marrom clara até os cabelos cheios. Suas unhas impecáveis e lábios carnudos tingidos de batom eram o assunto do colégio, todos a olhavam quando ela passava. Todos comentavam, às vezes comentavam coisas não tão gentis, o que era uma merda, porque uma mulher não podia simplesmente ser bonita e confiante nessa droga de cidade sem que caíssem matando em cima dela.
Perto da Larissa, eu era invisível — e não é exagero, eu geralmente era conhecida por amiga da Larissa, ou a garota que anda com a Larissa. Eu me mantinha perto dela, ela salvava minha vida social, éramos melhores amigas e esse era o trato.
Levantei do banco, aumentei meu fone de ouvido e fui até o banheiro.
Geralmente ia até lá, lavava as mãos, esticava as pernas e passava o tempo tedioso do intervalo. Nos minutos iniciais ficava vazio, já que todos corriam para conseguir um bom lugar na fila enorme da cantina — por isso a surpresa quando encontrei Priscila inclinada sobre a pia, os olhos aflitos encarando o próprio reflexo, cheios de lágrimas.
— Pri? Tudo bem? — Tirei meus fones, ansiosa. E se ela resolvesse se abrir comigo? Eu não sabia lidar com gente chorando. Não sabia lidar nem com meus próprios problemas.
— Tudo, eu só... — disse ela, inspirando fundo e forçando um sorriso. Piscou para afastar as lágrimas ao se virar para mim. Ela tinha cabelos ondulados cheios de volume, os cachinhos contornavam o rosto arredondado como uma auréola. — Não é nada.
— Sei que não somos muito próximas, mas sabe que pode falar comigo, não sabe? — A olhei nos olhos para que ela entendesse a seriedade. Ela estava sempre rindo e falando alto, encontrá-la assim me espantava. — Algum dos meninos fez alguma coisa? Eles podem ser bem idiotas — insisti. Alguns dos garotos eram realmente idiotas, não sabiam o básico sobre respeitar mulheres. Era só ouvir a opinião deles nas discussões durante as aulas de sociologia e filosofia.
Priscila piscou e me olhou, então balançou a cabeça.
— Eu só... — começou com um suspiro profundo, hesitante. Escolhia as palavras com cuidado. — Eu beijei o Gui, mas não sei, só me sinto... indiferente? — As palavras soavam rápidas e baixas, como se ela não quisesse que eu as ouvisse. Suas mãos se contorciam nervosamente.
Pisquei, ainda sem entender o problema.
— Você não gostou? — perguntei cuidadosamente, olhando ao redor para conferir se o banheiro estava vazio. As cabines estavam todas abertas, estávamos sozinhas.
— Eu gostei na hora, mas agora não sei o que estava fazendo — disse, mordendo o lábio. — Foi uma coisa de uma vez só, ele não se interessa por mim. — Eu queria gritar com ela, gritar com ele também. Será que o Guilherme não percebia o privilégio que era beijar a Priscila? Eu daria tudo para estar no lugar dele e fazê-la se sentir a garota mais desejada do mundo. — É com você assim também? Eu só não me senti... conectada com ele. Gostei do beijo, mas foi vazio — confessou. Eu pensei um pouco, o coração disparado.
— Gostei muito das poucas pessoas que beijei, mas acho que às vezes a gente beija quem não queria beijar de verdade — falei com cautela, sem saber como ajudá-la. Ela não precisava saber que as poucas pessoas eram todas meninas.
Priscila suspirou e passou a mão nos cabelos escuros, então me deu um sorriso vacilante.
— Vou ficar bem, obrigada por se importar — agradeceu ela, e saiu antes que eu tivesse a chance de falar mais alguma coisa.
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Sangue Rosa
ParanormalNo mundo de Pietra Campanelli, embora vampiros e lobisomens sejam comuns, a maior preocupação é conseguir a atenção de uma humana chamada Priscila. Priscila, a garota que não parece estar nem mesmo um pouquinho interessada nela. Com a ajuda de Laris...