Um dia de cada vez.
"Inacreditável", essa é a palavra que veio aos pensamentos de Murphy para o que está em sua frente. Uma torneira que ainda expele água; sim, uma água escura com um cheiro um tanto terrível e a torneira não é lá essas coisas, mas ainda sim é água. A garota ergue os braços até alguns centímetros abaixo da torneira, fazendo um gesto de concha com as mãos, enchendo em alguns segundos, ela leva em gestos rápidos ao rosto, repetindo o movimento mais duas vezes, aproveitando também para limpar as mãos repletas de sangue, mesmo sendo sangue podre o líquido gruda facilmente.
O lugar localizado era o banheiro de uma loja de roupas que ficava em algum lugar no centro da cidade, não a mesma cidade que se encontrava mais cedo, mas sim a cidade vizinha. Murphy e EJ já estavam andando há exatamente cinco horas, oscilando de bairro para bairro, de rua em rua. Eles não ficavam parados por muito tempo, sempre atrás de um lugar seguro, fugindo de necro-mortos e sobreviventes.
— Ele era grande e peludo, parecia com aquelas verrugas...
— Berrugos. — diz Murphy corrigindo EJ. Murphy sabia todos os códigos, palavras erradas que Elijah dizia, mesmo ela o ensinado sempre ficava algumas dúvidas para trás.
— Isso, Ber-ru-gos. — imita o garoto em sílabas. — Era enorme, aí ele me olhou e... — Elijah em uma das cabines do banheiro só se preocupava com duas coisas, fazer suas necessidades e contar o seu terrível sonho a Murphy.
Ainda parada em frente a pia, a garota cria coragem para se olhar no espelho - seus olhos cinzas e cansados contém hematomas de brigas passadas, dando para observar vários machucados e cortes cobrindo todo o seu corpo; aproveitando a água, Murphy molha seus cabelos escuros tirando assim da frente de seus olhos. Com gesto delicado ela levanta a blusa que pegou a poucos minutos na loja, podendo visualizar uma ferida parcialmente curada, aquele machucado era resultado de um ataque de uma "Barata", uma maldita criança infectada.
Duas horas antes, os irmãos estavam à procura de recursos em uma casa abandonada, quando Murphy foi olhar se tinha algo na geladeira, lá estava a criatura, saltando em cima dela e a mordendo na barriga. Claro, Murphy esfaqueou ela depois, mas nada tirará o susto e a dor de seu abdômen. Nada.
— E aí ele engoliu meu braço, e eu...
— Já acabou? — exclamou Murphy sem paciência. EJ mesmo tendo certas limitações com algumas palavras, aquilo não o impedia de ser tagarela, o menino só tinha Murphy e Aiden como amigos, sempre que falava em outras crianças se entristecia; certa vez ele até tentou fazer amizade com uma Barata, o que não deu certo, resultando em um pequeno arranhão em sua bochecha. Toda vez que ele vê uma começa a coçar a cicatriz, como se fosse um aviso para não fazer de novo.
— Eu não entendo, Murphy. Minha barriga estava doendo, mas agora não dói mais.
EJ finalmente saí da cabine, seguindo rumo a Murphy.
Aproveitando a fonte de água, a garota molha seu cabelo incrivelmente seco, passando também em seu rosto - retirando a sujeira - isso a faz lembrar que faz muito tempo desde a última vez que tomaram banho, sentia um pequeno odor debaixo de todas aquelas roupas, mesmo o clima quente era necessário roupas longas, pois assim os dentes podres dos mortos não alcançavam a pele. Claro, essa lei não cabia a Murphy, seu fator de cura era tão alto que não era necessário muitas roupas, assim a fazendo locomover melhor em situações difíceis.
— Pode ter sido a água. Nos últimos dias está sendo difícil encontrarmos água potável. Mas não se preocupe, não vai sair um monstro de dentro de você. — Ela o cutuca na barriga, causando cócegas. O gesto fez Elijah soltar uma pequena e fofa gargalhada, sem dúvidas é a coisa mais gostosa de se ouvir.
Passar um tempo com Elijah faz Murphy esquecer dos problemas, ela queria esquecer. Onde iriam dormir? O que iriam beber? ou até mesmo se iriam acordar sem problemas no dia seguinte, tinham tantas coisas para resolver, que se passasse nem cerca de um minuto rindo com EJ já seria o bastante.
Ela volta a atenção na ferida, que por sinal ainda dói, preste a limpá-la, Murphy ergue umas das mãos até a torneira para poder carregar a água até sua barriga, mas logo escuta um barulho vindo da fonte fazendo secar em seguida. "Não, não não" pensou enquanto se apoiava sobre a pia, "Fala sério, só queria mais um pouco".
EJ vendo a frustração de Murphy tem a brilhante ideia de repetir a cutucada que ela dera em sua barriga, assim dando um belo e gostoso cutucão no machucado da garota.
Pulando de dor, Murphy volta o olhar nervoso a EJ.
— Cacete! O que deu em você?
— Eu pensei que... — antes que o menino possa terminar, Murphy o interrompe com uma respiração frenética e pesada, parecendo um búfalo em dias de neve.
— O que?! — berrou a garota. — Pensou o que, Elijah?
— Desculpa.
Murphy desvia o olhar do garoto, ela sabe que ele não fez por mal, mas às vezes a curiosidade dele é irritante.
— Vamos logo, vai escurecer e não queremos ficar presos aqui. — Com um grande suspiro ela abaixa cuidadosamente a blusa se afastando da pia. Colocando a mochila nas costas e a arma na cintura, Murphy caminha rumo a saída do banheiro esperando o pequeno EJ sair, com uma última visualizada a garota observa o que um dia foi um banheiro, esperando surgir algum sentimento que aquele lugar carrega, mesmo sendo um banheiro abandonado e sujo, ainda sim é um banheiro, enfim ela atravessa a porta que dá direto para o interior da loja.
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A lei de Murphy - O labirinto do arquiteto
Science FictionEm um mundo devastado pela melancolia, onde o suspiro e o pensamento humano tornaram-se frios e a vagante carcaça se camufla em meio a neve, escutamos os gritos melódicos das almas sobre o olhar possessivo da lua, a sobrevivência se tornou um dos pr...