Recomeço

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— A experiência foi essa. — Terminei de contar a Aof, que escrevia tudo o que eu falava em seu notebook. — Viver com um robô foi... incrível.

Incrível era a palavra que definia o robô Win. Só aquela.

— Tirando a parte que você se apaixonou por ele. — Aof zombou, sorrindo de canto. — Bom, eu tenho uma novidade. — Ele fechou o notebook e me encarou, juntando as mãos em cima da mesa.

— Continue.

— Você se lembra do que eu disse sobre as pessoas que são clonadas?

— Elas vão embora para outro lugar, somem do mapa, essas coisas. E daí?

— E daí... que o verdadeiro Win voltou. O humano, e não o robô.

O meu coração estava apertado. A minha boca estava seca. A minha cabeça rodava. Eu sentia que poderia desmaiar a qualquer momento. Aof fazia questão de me atormentar, zombando de mim, rindo do meu desespero. No fim, ele ainda era o amigo adolescente e bobo que eu sempre tive.

— Os humanos que concordaram em ser clonados voltam quando o robô é destruído, e como a bateria do robô Win acabou, nós o destruímos, e então, a versão humana voltou. — Aof me contava, enquanto andávamos para algum lugar.

— Vocês não podiam carregar a bateria dele? — Questionei, molhando a garganta.

Só em imaginar Win sendo destruído, eu me sentia despedaçado. Era ridículo, eu sabia que era. Eu era apaixonado por um robô destruído que nunca sentiu nada por mim ou por qualquer outra coisa.

— Não foi necessário.

Aof, com um sorriso de canto, parou em frente a uma porta de vidro com fumê, onde não dava para enxergar o que havia do outro lado. Com as pernas bambas, parei na frente daquele onde deixava a minha mão coçando para socá-lo.

— O que tem aí dentro?

— Uma reunião.

— Eu tenho cara de quem quer assistir a uma reunião insuportável com um bando de nerds loucos por robótica? Eu acho que não.

— Venha. Você vai me agradecer.

Contra a minha vontade, Aof me puxou para dentro da sala, onde só havia uma única pessoa de costas, olhando pela janela a visão de prédios altos e espelhados pela cidade.

— Sr. Win?

O homem se virou e andou até Aof, estendendo a mão para que apertassem. Até então, fiquei de boca aberta, intacto, com o coração batendo forte e os olhos ardendo por um choro que eu queria soltar. Um choro de felicidade. Meu Win estava de volta. Diferente. Ele parecia bem menos certinho do que um aparelho programado, mas ainda assim, era Win.

Eu não fazia ideia do que dizer. Aof era um canalha que tinha me metido naquela situação constrangedora.

— Win, esse é o Bright. — Disse o meu amigo. Win não tirou os olhos de mim, e eu não tirei os meus dele. — Ele ficou com a sua versão do robô, por um tempo.

— Ah. — Win abriu um sorriso, apertando a minha mão. Apertei a dele e a pele era muito mais macia do que a do robô. — Espero que tenha gostado dele. Pareceu uma boa experiência. E foi divertido quase ter um irmão gêmeo. Foi divertido principalmente a parte do dinheiro que eu ganhei. — Soltou um riso. Uma risada tão gostosa como eu já havia escutado no meu apartamento. — Você está bem, Bright? Parece meio atordoado.

— É que... bom... eu tive uma relação meio... eu tive sentimentos pelo robô, então... ver você como um humano, me deixou... em choque.

Apesar de Win ter ficado calado, ele tinha um sorriso pequeno, meio debochado. Eu devia ter ficado de boca fechada.

— Está me dizendo que se apaixonou por um robô que era um clone meu?

— Aconteceu.

— Bright, eu não sei cozinhar e odeio pizza. Eu não sou inteligente. Sou um humano e tenho muitos defeitos.

— Só o fato de você ser real, já me dá alguma esperança.

Eu tinha que aprender a ficar calado.

Aof soltou uma risada e tocou no meu ombro.

— Deus, Bright, o cupido flechou em você mesmo, não?

Quando Aof nos deixou a sós, Win disse, em tom baixo:

— Quero que saiba que essa situação não é estranha para mim.

Eu me senti confuso quando Win me abraçou forte. Senti o cheiro do perfume doce que ele usava e quis chorar. Eu o abracei de volta, apertado, e quando nos afastamos alguns centímetros, Win selou nossos lábios. Eu senti a língua dele. Era quente e me excitava. Eu o agarrei pelo pescoço e nossos corpos ficaram ainda mais juntos quando ele me prendeu na parede, envolvendo a minha cintura. Nos afastamos novamente, e ele sorriu para mim. Mesmo sem entender, eu retribuí o sorriso.

Quando Aof voltou à sala, ele me explicou que, do mesmo jeito que eu estive com a versão robô de Win, Win também esteve com a minha versão robô. Eu havia sido clonado em algum momento da minha existência pelo meu melhor amigo canalha que era um gênio, ainda assim.

Eu era simplesmente patético. Por tudo. Por não estar pronto para uma realidade nova. Pela tecnologia que não parava de avançar. Por ter me apaixonado por um robô. Por ter deixado Aof se aproveitar de mim. E, principalmente, eu era patético por Win. Mas aquilo não me incomodou. Por ele, eu poderia ser o humano mais estúpido existente, por tanto que Win me olhasse como olhava agora. Amando. Era hora de amar e ser amado, enfim. Como um humano, por outro humano. Nada de robôs de agora em diante.

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