PORTA 3

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Sana percebeu que havia alguma coisa muito errada imediatamente após sair da Caixa. Não tinha relação nenhuma com a expressão de reconhecimento que cruzou o rosto de Jihyo. Não. Essa sensação também não se dava por estarem em uma casa com aparência comum, sem objetos especiais ou caros além do transportador interdimensional.

Ela só percebeu o que a incomodava quando era tarde demais e Jihyo já corria para fora, na direção da rua. Se tivesse notado antes, poderia ter a impedido.

Além do zumbido da máquina, o mundo estava no mais completo silêncio. Quando uma pessoa vive em uma cidade movimentada como Seul, os barulhos constantes são assimilados de forma automática, e os moradores são incapazes de prestar atenção neles. Sua existência só é perceptível a partir do momento que eles se calam. Foi esse estranhamento que Sana presenciou: a mudez da zona urbana. Era como se não houvessem carros transitando ou obras sendo construídas. Se o som da Caixa fosse descartado, o ambiente era tão silencioso quanto o vácuo.

E, em hipótese alguma, isso significava uma coisa boa.

A mais velha notou que Jihyo atravessava a porta da frente.

- Jihyo! - Ela exclamou, tentando evitar que a mulher continuasse. Precisava protegê-la, apesar de não saber do quê. - Jihyo. Jihyo. Jihyo! - Continuou a gritar, mas a outra sequer olhou para trás. Parecia apressada, ansiosa. Ignorava Minatozaki completamente.

Só tinha uma maneira de a parar, portanto Sana se pôs a correr atrás dela. Ao se deparar com a parte externa, porém, o choque a paralisou. O quarteirão parecia deserto. As casas, silenciosas, tinham camisas de diferentes cores penduradas nas janelas. Duas delas predominavam: vermelho e preto. A japonesa se perguntou o que aquilo poderia representar, mas não teve tempo para refletir. Jihyo, parecendo ignorar todos aqueles detalhes, seguia correndo em direção à uma das propriedades, e Sana se colocou novamente em seu encalço. Quando a mais nova parou na frente de uma das portas, ela só pôde encarar a fachada. A Park parecia conhecer o lugar.

- Jihyo. Nós deveríamos voltar. Agora.

Ela não respondeu. Não parecia nem mesmo estar escutando. Sana notou a janela da casa: uma camisa vermelha e uma camisa preta. Um arrepio percorreu todo o seu corpo.

- Jihyo, eu não sei quais são as suas lembranças sobre esse lugar, ou se ele se parece com o seu lar no nosso universo, mas me escute: aqui não é seu lar de verdade. Qualquer pessoa que esteja te esperando atrás dessa porta, não é quem você ama. Nós precisamos voltar. Pode ser perigoso.

Ainda em silêncio absoluto, ela bateu na porta. Uma, duas, dez vezes. Forçou a maçaneta. Nenhum som.

- Jihyo. - Sana se aproximou, tocando em seu braço. - É melhor nós...

A coreana gritou, os punhos esmurrando a porta. A maior cogitou que seria melhor permitir que ela fizesse isso até se dar conta de que não seria respondida e desistisse por conta própria.

Foi quando um barulho mínimo alarmou as duas. Um ruído de movimentação lenta, como um arrastar de pés. Minutos depois, a porta foi destrancada.

A mulher que surgiu no limiar assustou Sana. A física especulou que ela não devia ter mais que 30 anos, mas a postura curvada, fraca, e a magreza evidente lhe conferiam muito mais idade. Olheiras escuras e fundas apareciam sob os olhos injetados, que apresentavam glóbulos manchados de sangue, e o rosto fino possuía hematomas. Seu aspecto era doentio, como uma paciente em estado terminal. A parte interna da casa exalava um cheiro de carne em putrefação. A Minatozaki queria agarrar a mão da parceira e fugir dali, mas não conseguia.

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