PORTA 2

115 18 7
                                    

O despertar pela terceira vez havia sido tão desagradável quanto o da primeira, no corredor, e da segunda, no universo em que elas descobriram ser criminosas. A quarta vez, no entanto, após atravessarem uma nova porta aleatória, fora mais amena. Para Jihyo, pelo menos. Sana ainda se sentia meio enjoada. Ela reconhecia, porém, que os sentidos estavam voltando mais rapidamente conforme as viagens aumentavam.

Isso não significava que gostaria de participar de muitas outras. Ser perseguida era cansativo, e tudo em que ela conseguia pensar no momento era em deitar e dormir por dois dias seguidos.

Assim que seus olhos se acostumaram à escuridão, infelizmente familiar, da Caixa, ela sentiu o olhar relutante da outra mulher cruzar com o seu.

Será que devemos ir? Ele dizia. E se não for seguro lá fora?

A mais velha alcançou a mão dela e a apertou, procurando passar uma segurança que nem mesmo existia em seu coração. Não custava nada tentar. Cuidadosas, as garotas saíram da máquina.

O ambiente que encontraram dessa vez poderia muito bem ser uma paródia do porão do universo passado: uma espécie de laboratório, modesto mas extremamente organizado, sem fios à vista, possivelmente encapados e escondidos por trás dos aparatos tecnológicos. O local não parecia muito grande, de modo que Sana pôde deduzir que não se tratava de um lugar exclusivo para pesquisas, como era o Laboratório S&C. Por isso, ela não se surpreendeu quando se depararam com um apartamento comum, embora luxuoso e maior do que jamais pisara, ao saírem do cômodo que abrigava o aparelho de transporte interdimensional.

- Você reconhece esse lugar? - A Park a fitou, certamente deslumbrada pela decoração. Antes que a japonesa pudesse responder e negar, ela atravessou a grande sala, os dedos correndo por um piano preto repousado próximo à varanda. - Esse parece um modelo antigo e raro de órgão... Uma peça valiosa. Me pergunto quanto pagaram por ele.

- Não sabia que você era uma entusiasta dessas coisas clássicas.

- Ora, há muitas coisas que você não sabe sobre mim, Minatozaki. - A voz divertida e arrogante da mais nova parecia querer provocar. Era um jogo que Sana não pretendia jogar, não aqui e não agora. Ambas sabiam que a derrota dela era evidente.

Ela deixou escapar um suspiro alto.

- De qualquer forma, pianos sempre são caros. Eu não pagaria ainda mais por um só porque ele é velho. Não é... burrice?

Sana não podia ver seu rosto, mas sabia que ela sorria. Um sorriso incrédulo, indignado, talvez. Observou as mechas vermelhas balançando de um lado para o outro, de um lado para o outro, de um lado para o outro... A mais nova negava com a cabeça.

- As pessoas pagam absurdos por uma garrafa de vinho antigo, querida, e um instrumento é um produto muito mais duradouro que uma bebida alcoólica envelhecida.

- Não é a mesma coisa. - Sana protestou. Por que diabos estavam discutindo sobre isso em um apartamento desconhecido, ao invés de apenas descobrirem se pertenciam àquela realidade ou não? - Todos sabem que os vinhos ficam mais saborosos com o passar do tempo. Instrumentos musicais não.

Isso calou Jihyo. A Minatozaki deu as costas, pensando ter vencido a batalha, e se dedicou a examinar as paredes repletas de quadros daquele canto do aposento, procurando qualquer pista que indicasse que o imóvel pertencia a algum colega.

Então ela ouviu.

Os sons tímidos, hesitantes. Dedos explorando e desbravando um território novo e desconhecido. Uma tecla e outra, e então um acorde. A melodia adquirindo ritmo aos pouquinhos, acelerando e incorporando novas oitavas. Uma canção que tomava forma, se espreguiçava pelo chão, pelo teto, pelo ar, e deixava carícias em sua pele.

A Caixa Onde histórias criam vida. Descubra agora