PORTA 4

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Sana sabia que nada de bom poderia sair dela abrindo uma nova porta após o estresse emocional acarretado por aquela experiência traumática, mas a outra estava em condições muito piores, e era a única opção que lhes restava.

A primeira coisa que ela notou, ao saírem para aquela casinha aparentemente pequena e aconchegante, foi o frio intenso. O frio intenso de cortar os ossos e, novamente, o silêncio. Ela teve a vaga impressão de que era assim que um necrotério devia ser, apesar de nunca ter entrado em um. Desta vez, entretanto, Sana não sentiu uma sensação ruim e imediata. Talvez ela só estivesse muito cansada para sentir qualquer coisa.

Jihyo se direcionou até uma das janelas, do outro lado do cômodo, e a maior se aproximou para também espiar lá fora. Removendo as cortinas grossas, ela se deparou com um mundo branco. Literalmente branco: a neve se estendia por quilômetros e quilômetros, o céu cinzento sendo o único contraste visível. Não havia outras construções nos arredores. Bem, aquele definitivamente não era o seu universo.

Ela sabia que, ao constatar isso, deveria dar meia-volta e ir atrás de sua realidade. Não fazia sentido e nem havia motivos para permanecer mais um segundo sequer ali, certo? A não ser o fato de estar tão completamente cansada... De almejar um segundo em que pudesse fechar seus olhos em paz... A incerteza do que poderia vir a seguir - ela possivelmente não aguentaria fugir de policiais ou lidar com outra cena trágica - mas, principalmente, pelo estado de Jihyo. A menina estava tão quieta, introspectiva e, com certeza, brutalmente machucada, que Minatozaki não poderia exigir que ela fosse forte e seguisse como se nada tivesse acontecido. Ambas precisavam respirar fundo e colocar os sentimentos, fossem eles quais fossem e em relação a quem fosse, em ordem. Antes que tivesse consciência de sua decisão, ela estava tomada. Quando se virou para encarar a menor, viu que ela se sentava de frente para a lareira apagada, tremendo suavemente. Aquela dorzinha enjoada voltou a dominar seu coração e custou tudo de si para evitar o impulso de envolvê-la mais uma vez em seus braços.

...

Era óbvio que a casa ainda tinha energia - afinal, a Caixa estava funcionando - e foi por isso que Sana se surpreendeu ao descobrir que não havia nenhum sistema de aquecimento embutido no imóvel. É claro que, de fato, tudo ali parecia bastante vintage e os aquecedores elétricos não combinavam com a estética, mas não custava se iludir um pouco. Enfim, a lareira teria que servir para impedir que elas morressem congeladas de noite. A mulher só precisava encontrar os elementos fundamentais para a acender.

A pequena cozinha rústica continha algumas coisas básicas, como comida enlatada em embalagens a vácuo e - graças a Deus - caixas de fósforo. O fogão serviu para acender uma chama de esperança em comer um alimento quentinho, até Sana descobrir que não tinha um botijão de gás conectado. Bem, se ela fosse capaz de fazer fogo poderia simplesmente pegar uma das panelas nos armários e esquentar na lareira, então era melhor não "reclamar de barriga cheia", como vivia dizendo sua mãe.

Comprovando sua teoria de que seria egoísta protestar quando estava encontrando tão facilmente produtos essenciais para seu conforto, ela ainda conseguiu uma pequena pilha de madeira na despensa, se questionando o motivo daquele lugar estar abandonado se tinha o básico para a sobrevivência. Essa dúvida, porém, não se prolongou por muito tempo: as torneiras não tinham uma gota d'água sequer, fruto, era provável, do congelamento do encanamento. Agradeceu mentalmente por ainda ter suficiente do líquido na bolsa para um dia.

Ela estava para concluir sua excursão naquele chalé, que lhe pareceu muito simpático e apropriado para um merecido descanso até a manhã seguinte - ela honestamente nem sabia mais que horas eram - quando se deparou com uma escada estreita que levava ao segundo andar. Fazia sentido, uma vez que não havia quarto algum no térreo. Os degraus de madeira rangeram sob seus pés e ela achou quase cômico comparar o último apartamento luxuoso em que estavam com esse casebre. De alguma forma, no entanto, a casinha lhe parecia mais como um lar. Talvez fosse tudo mais bonito antes da neve engolir o horizonte.

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