Suzane está queimada

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O meu primeiro contato com Suzane Louise von

Richthofen foi no alvorecer do dia 11 de agosto de

2016, uma quinta-feira. Na época, eu fazia uma

reportagem para a revista Veja. Ali, naquela manhã

ensolarada, tive a ideia de estender a pesquisa para

escrever um livro sobre a presa lendária. O portão da

Penitenciária Feminina de Tremembé foi aberto cedinho e ela

ganhou a rua, radiante. Estava acompanhada de suas melhores

amigas, Amanda e Vanessa, outras criminosas do regime

semiaberto. Alegando experiências negativas no passado com

jornalistas, a loira não concede entrevistas.

Inspirado na icônica reportagem Frank Sinatra está resfriado,

do repórter Gay Talese, publicada na revista norte-americana

Esquire, em 1966, decidi sair em busca das pessoas próximas da

mulher que planejou matar os pais a pauladas. Talese tentava

marcar uma entrevista com Sinatra. Os assessores do cantor

agendaram o encontro diversas vezes e desmarcaram em cima

da hora, dando sempre a mesma desculpa: Frank Sinatra está

gripado. Sem qualquer contato com o artista, o repórter fez um

perfil dele em 55 páginas apenas entrevistando os seus amigos e

inimigos. Hoje, a reportagem de Talese é considerada pioneira do

jornalismo literário.

Para reconstituir a vida de Suzane dentro e fora do cárcere,

entrevistei 56 presas que cumpriram pena junto com a parricida

ao longo de dez anos, tanto no regime fechado quanto no

semiaberto. Conversei com 16 agentes de segurança

penitenciária lotados nas casas penais por onde a loira famosa

passou ao longo de 16 anos de reclusão. Essas entrevistas

foram fundamentais para reconstituir a vida da assassina desde a

sua primeira incursão na cadeia, em 2002.

Os irmãos Cravinhos também tiveram a vida esquadrinhada

para compor as suas histórias na narrativa. Cristian colaborou

com oito entrevistas. Nesses longos encontros, o criminoso

contou com riqueza de detalhes como entrou no plano sórdido de

Suzane e Daniel e revelou até o que sentiu na hora de dar

pauladas em Marísia von Richthofen. Para escrever sobre os

irmãos Cravinhos, visitei a Penitenciária Masculina de Tremembé

12 vezes e falei com 15 detentos amigos dos dois assassinos

confessos.

As vidas de Suzane e dos irmãos Cravinhos antes do crime

foram reconstituídas a partir de entrevistas com amigos da

adolescência e com parentes. Duas pessoas tiveram os nomes

trocados a pedidos. A maioria dos agentes carcerários de

Tremembé e oito presidiárias colaboraram na condição do

anonimato.

O processo penal que condenou os três assassinos tem quase

6 mil páginas. O material serviu como ponto de partida para a

pesquisa. Uma peça jurídica dessa envergadura tem um mundo

de informações. Desde cartas trocadas entre Suzane e seu ex-

namorado, até grampos telefônicos, além de dezenas de

depoimentos.

Uma fonte rica de informações sobre Suzane é o seu processo

de execução penal, cujo acesso era liberado para consulta

pública até maio de 2016. Nesses autos, a loira conta dos seus

amores, suas angústias, o medo de sair na rua e relata

principalmente como lida com o crime que cometeu, confessando

motivações financeiras. Fala até dos planos para a vida em

liberdade. Mas isso tudo não foi suficiente para entender a

cabeça da presa mais famosa do Brasil. Em busca de respostas

na seara psicológica, entrevistei doze profissionais

especializados em Psicologia Forense, além de psiquiatras

estudiosos de mentes criminosas. Esses especialistas foram

fundamentais para me fazer compreender o que leva uma

menina bonita, inteligente e com toda a vida pela frente a dar

cabo dos próprios pais.

É difícil um leigo entender o universo complexo da Psicologia, a

ciência do comportamento e das funções mentais. Não entrava

na minha cabeça, por exemplo, como terapeutas escreviam com

toda a verdade do mundo que Suzane é "manipuladora",

"dissimulada", "narcisista" e "egocêntrica" após ela olhar por duas

horas para dez pranchas com desenhos de tintas borradas.

Depois de ler três livros técnicos sobre a teoria de Rorschach,

entrevistar oito psicólogos especializados no exame e ser

submetido ao teste, pude compreender que o método é tão eficaz

quanto envolvente. Imagens semelhantes aos desenhos de

Hermann Rorschach, que ilustram a abertura dos 10 capítulos do

livro, são até assustadores.

Quem comete um crime de qualquer natureza precisa de

advogados desde a fase da investigação, passando pelo

julgamento até a execução da pena. Uma dezena deles me

ensinou como funciona um Tribunal do Júri e principalmente os

meandros da execução penal, um ramo do Direito Criminal

multifacetado. Quatro promotores de Justiça e dois peritos

forenses também enriqueceram o trabalho.

Ao todo, me encontrei com Suzane três vezes. Ela deixou claro

não ter o menor interesse em fornecer informações para o livro.

Na última vez que a procurei, em abril de 2019, a criminosa

estava na casa do noivo, Rogério Olberg, em Angatuba. Bati em

sua porta, e quem atendeu foi a sua cunhada, Josiely Olberg,

uma moça educadíssima. Josi, como gosta de ser chamada, foi

lá dentro e voltou minutos depois dizendo que Suzane não podia

falar. A justificativa: a loira havia ficado o dia anterior na piscina

com as crianças e se esqueceu de passar filtro solar. Estava toda

queimada de sol. No dia seguinte, encontrei Suzane, pálida,

tomando sorvete na praça central de Angatuba.

Suzane :  Assassina e ManipuladoraOnde histórias criam vida. Descubra agora