Parte 5

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          Ao término daquela esquisitíssima carta, Tatagiba, Kitamura e Soares não sabiam o que dizer ou que reação expressar. Todo mundo já escreveu para o eu do passado, mas nunca com a real intenção de ser lido. Cartas desse tipo funcionam mais como uma maneira indireta de falar consigo mesmo no presente. Aquela carta, porém, parecia realmente ter sido escrita para alguém num espaço e tempo diferente de quem a escreveu.

          Tatagiba podia prever a teoria sobre miolos comidos por drogas que Soares já formulava e deixava transparecer na expressão, antes de dizê-la em palavras, no entanto, foi a vez dela de colocar seus pontos na mesa:

          – Vocês já prestaram atenção que tudo nesse caso parece girar em torno de tempo? De horas, para ser mais exata.

          – Tipo esse negócio de relojoaria, relógios e mandar mensagens do futuro pro passado, se é que podemos dizer isso – que era absurdo era, mas Kitamura aprendera com T. que a vida era feita de um monte de absurdos e que colocá-los para fora era o jeito melhor de encontrar algum sentido.

          – Hmmm, não sei se mandar mensagens é exatamente o que aconteceu aqui, mas parece que tudo aponta de volta pro mesmo lugar.

          – Pra aquela relojoaria tosca que vocês encontraram hoje à tarde... – Soares completa, de todos naquele cômodo ele é o mais cético, é claro.

          – Exato – e, ao concordar, surge um start na cabeça de Tatagiba, daqueles que é preciso botar pra fora em palavras antes que deixem de fazer sentido num próximo segundo. – Espera, no bilhete da Milena, que horários havia mesmo?

          – Hmmm – K. procura na galeria do celular. – "10:10. Sete horas e sete minutos para 08:08 - 17:17" de um lado, do outro "Relojoaria Clock Master. Localizado na Galeria do Rock, Av. São João, 439 - República, São Paulo - SP, 01035-000. Aberta somente às 17:17".

          Nenhum dos três poderia dizer que via total sentido naquelas informações, mas um padrão naqueles horários, sempre repetidos, não saía da cabeça de Tatagiba. Ela se vira em direção à penteadeira onde está a caixa:

          – "CM: Relógio atrasado – 17:17. Tempus edax rerum" – ela lê em voz alta.

          – Que diabos significa isso? – Soares pergunta.

          Como rolou um silêncio no qual Tatagiba continuava pensando, K. deu um Google procurando informações sobre aquela frase.

          – Tempus edax rerum, do Latim: "O tempo que tudo consome". Aqui diz que se refere a Chronos, deus grego do tempo. Esse por um acaso é o logo deles? Criativo, temos que admitir.

          – Não. Acho que o logo de verdade é "Desde 1919, confeccionando os melhores relógios pra quem nunca perde a hora". Pelo menos é o que estava no cartãozinho que você leu na loja – T. diz perdida em pensamentos.

          – Estranho! – era o que os outros dois pensavam.

          Tatagiba, porém, gastava seus neurônios em mais um padrão que se repetia muito também: sempre que falavam sobre aquela relojoaria, os horários em especial.

          – 17:17, aberta somente às 17:17. E se tivermos ido à loja certa, só que na hora errada? – ela automaticamente olha para seu relógio de pulso que marca 16:22. – Acho que se quisermos respostas precisamos estar exatamente às 17:17 naquele lugar.

          – Por quê? Por um acaso você acha que vai brotar um estabelecimento diferente exatamente nesse horário?

          – Mais ou menos, é como se aquela fosse e não fosse a nossa relojoaria ao mesmo tempo, sabe.

          – Seja mais específica – Soares reclama.

          – Você acha que é uma empresa de fachada? Que tem algo por trás? – sugere Kitamura.

          – É, algo do gênero.

          – Tipo, rola um tráfico por trás...

          – Ah, qual é a da sua tara por tráfico? Cara! – K. já estava impaciente com o colega. Como seria bom ser só ela e a parceira, mas na teoria Tatagiba nem deveria estar trabalhando, questões técnicas...

          – Ora, porque faz sentido, porque é explicável dentro da realidade de três investigadores de polícia e não envolve fantasias – ele diz com certa superioridade arrogante.

          – É, Soares, faz mesmo sentido – agora é Kitamura quem toma a vez, espelhando o tom arrogante do parceiro. – Uma garota pobre de passado duvidável, potencialmente suicida, portando um objeto de valor e que morre simplesmente do nada, ao que parece por alguma substância, frequentava um lugar suspeito com uma atendente suspeita que parecia fazer muito mais do que só vender relógios. Assim, vendo tudo preto no branco... É, realmente, você parece certo, mas tem outras coisas também, coisas que a sua teoria crível não responde.

          – Tipo o quê?

          – Tipo essa carta! – ela aponta para T. – Como ela poderia saber que a avó ia morrer?

          – Pode ter escrito depois! Ou escrito antes numa alucinação, sei lá.

          – Ah, eu acho que não – Tatagiba interveio. – Tem essa caixa de relógio, com esse horário que a gente já tá cansado de ver, 17:17. E essa inscrição esquisita – CM poderia muito bem ser de Clock Master, ela pensava. – Além do mais, por que tantos horários repetidos assim? Tem alguma espécie de padrão nisso?

          – Bom, minha prima holística costuma dizer que horas iguais são como portais.

          – Portais? De quê? – Soares pergunta encabulado.

          – Ah, não sei, portais. De tempo talvez, pelo menos é o que parece aqui.

          – Isso tudo é uma grande loucura! – ele completou.

          – Se Shakespeare, que era Shakespeare, dizia que entre o céu e a terra há muito mais do que sonha nossa vã filosofia, quem sou eu, Adriana Tatagiba, pra discordar – e, dizendo isso, ela já se encaminhava para fora daquele quarto cheirando a sala hospitalar no fim do dia.

          – Para onde você vai? – Soares perguntou.

          – Ora, de volta para a Clock Master, mas dessa vez na hora certa.

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