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Um herdeiro era poderoso, muito poderoso. Dentre todos os herdeiros, Finn por muito tempo foi considerado o mais forte. Era sempre algo a ver com disciplina, poder real e magia bruta. Finn tinha tudo isso, em perfeito estado. Apenas quando Kalishta despertou seus poderes profundos, depois de ser sugada por anos, Finn ficou equiparável com alguém. Até mesmo Lúcios, submetido a diversos tipos de tortura era minimamente mais fraco que Finn quando se tratava de poder bruto e puro. Mas aqueles olhos... ele sentiu seu gelo sólido e certeiro estremecer diante daquilo. Ele só não tinha certeza se era de medo ou admiração. Imogen sorriu timidamente, como uma garota em perigo que havia sido salva. Finn não queria aquilo, não. Ele gostava de ser direto. Oferecia sinceridade em troca de sinceridade e só. Queria isso dela também.

— Você sabe a extensão dos seus poderes Imogen?

A garota tentou disfarçar o rubor que invadiu seu rosto quando o príncipe pronunciou seu nome, mas foi quase impossível. Ela era secretamente apaixonada pelo príncipe desde a infância, quando a mãe a levava até Bulhart no inverno, para ver o festival de flocos de neve, nascidos do poder do príncipe. Aquele festival, era a segunda coisa mais linda que Imogen já havia visto. A primeira estava bem ali na sua frente.

— Acho que sim, Altesa.

— Me chame de Finn. Só Finn está bom.

O príncipe estendeu a mão para uma mecha do cabelo da garota, quase como um reflexo primitivo. Assim que seus dedos tocaram aquela seda negra, ele sentiu algo. Não foi como da vez em que se tocaram pele na pele, foi diferente. Mas bom. Era só um cabelo na ponta de seus dedos, mas de alguma forma o movimento pareceu certo. Imogen também pareceu entender. Seus olhos se ascenderam, como magia pura fluindo de um poço de poder, e ela mostrou a ele.

— Se me permite dar uma opinião... acho que precisa de um treinador.

Aquele poder era grande demais para que uma garota sem instrução o controlasse. E como uma camponesa simples, essa fonte imensurável deveria vir de lugares além da genética pura, talvez até algo errado e perigoso, que poderia vir a machucar a garota. Finn colocaria Arlo para treina-la, já que ele era o príncipe do fogo mais qualificado e...

— Você está disponível?

Era quase como se ela pudesse acompanhar o raciocínio do príncipe através do olhar. Ele sentiu seu corpo todo se arrepiar em resposta. Um meio sorriso tomava conta de suas feições agora, a garota finalmente se soltava diante dele. Finn ponderou por um tempo, não teria muito tempo disponível com a guerra iminente que estava por vir. E ao longo dos acontecimentos provavelmente teria que mudar de reino em reino.... mas não era justamente o que ele queria? Uma desculpa para ficar perto dela? Era quase como uma necessidade vital, ficar perto daquela garota o máximo possivel.

— Só se concordar em me seguir. Vão ser tempos conturbados, mas prometo sua seguranca. Felicidade não, conforto menos ainda. Mas seguranca.

A garota concordou. E ali, sem nenhum contrato ou assinatura, ambos sentiram que algo foi selado. Foi quase que uma promessa silenciosa e velada, de que estariam juntos por um tempo. Eles não podiam esperar.

A cabeça de Finn girava conforme ele andava até o salão de reuniões. Rápido como os ventos que controlava, Edwin havia respondido a carta do irmão, pedindo mais informações sobre como testar sua conexão com a terra. Do outro lado, Jasper os comunicava de que a força dos ataques havia aumentado em potencial, chegando a devastar uma vila inteira. Restaram poucos sobreviventes, e apesar de não ter sido uma vila muito grande, Jasper afirmou que haviam pessoas com poderes vivendo ali. Quem quer que fosse o ser por trás daqueles ataques, era com certeza próximo o bastante da família real para saber onde atacar.

Finn pensava friamente enquanto as portas do salão eram escancaradas, sua mente trabalhando pelas respostas das perguntas estampadas nos rostos dos seus amigos. Um reino governado por anos apenas por uma rainha traumatizada e duas filhas frágeis, um príncipe que havia renegado seu reino por anos, para ficar ao lado de um "futuro" rei que nem sequer tomou para si o próprio trono. Um reino quebrado ao meio, abandonado e desesperado. Quanto tempo levaria até que o próprio povo passasse a acreditar que os saqueadores eram seus salvadores? Precisariam eles matar a todos para evitar isso?

— Que bom que chegou.

Kalishta soltou um suspiro, como se a ideia de perder o amigo para o desespero tivesse passado por sua mente. Os olhos de Lúcios clarearam, um cacho solitário pendia por cima de um dos seus olhos cinza, escuros como a neve de seu pai. O príncipe Finn tomou uma cadeira, e com os outros dois começou a discutir o que pensava.

— Escoltar os mais fracos até Bogdana? Para um suposto santuário?

Kalishta tentava não se desesperar. Lúcios por outro lado, mordia o dedo com força, tentando não quebrar algo de nervosismo. Os olhos do príncipe pulavam de um para outro, saudade bruta da época em que apenas se preocupavam com Kai o traidor. Era muito mais fácil.

— Enquanto as investigações andam, precisamos saber mais sobre a pedra, sobre a conexão de Edwin com a terra... e outras coisas. Enquanto isso não podemos arriscar ataques como aconteceram à Kalishta, mais de uma vez.

A rainha se lembrava daquilo. Se não fosse Edwin, e uma outra vez o próprio Finn, o herdeiro negro teria conseguido seu objeto mais rápido. Kalishta pensou em seu ventre recheado, no sobrinho e na sobrinha nova que agora tinha. No medo de perdê-los, como quase perdeu o marido uma vez. Parecendo se lembrar do mesmo pelo medo nos olhos da amiga, Finn se adiantou.

— Estamos mais fortes agora Kali, você está. Vou cuidar pessoalmente para que esse abrigo seja seguro, e me manterei lá com os mais fracos até que tudo acabe, ou até que precisem muito de mim.

Finn odiava ficar fora de ação. Odiava não poder lutar e aliviar mesmo que um pouco o fardo da guerra. Mas os olhos de Kalishta se suavizaram de uma forma... que ele soube que a rainha não teria aceitado deixar os vulneráveis com mais ninguém. E ele não queria que Imogen corresse aquele risco também. Por que diabos ele só pensava nela naquele momento?

— A princesa Emory vai ficar com vocês também.

Finn concordou. A água de Emory era tudo menos mole. Ele mal a viu lutar no confronto com Kai, mas sabia da fama daquele poder, como qualquer outro vindo de um herdeiro.

— Mais uma coisa.

Finn já havia se levantado para sair, e estava no meio do caminho até a porta quando Lúcios o chamou. Assim que encarou o amigo, sentiu chamas violeta flutuando em seu olho direito, um misto de divertimento e alguma coisa que ele não soube reconhecer.

— Quero que leve a sobrevivente Imogen.

O coração do príncipe deu um salto, mas seu rosto permaneceu neutro. Dois meses, ele podia fazer aquilo.

O príncipe Finn não dormiu naquela noite, agradecendo mentalmente a Lúcios.

Filho de BulhartOnde histórias criam vida. Descubra agora