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Eles montaram acampamento.

— Não pode construir um castelo de gelo ou algo assim?

O príncipe estava agora sentado ao lado de Imogen, com alguns criados ao redor da fogueira deles tentando se aquecer do frio impiedoso durante a noite.

— Minha magia é sólida, mas não significa que é mais fácil de manipular. Moldar estacas, paredes e coisas simples já demanda energia, moldar um castelo seria no mínimo desperdício. Porque uma hora tudo iria derreter.

Imogen concordou, ela sabia como seu próprio gelo funcionava. Só pensou que talvez pudesse fazer um castelo algum dia. Um manto de estrelas cobria os céus, tão belas quanto a noite estava, uma massa de escuridão os envolvia, e Finn amava. Magia era uma coisa viva dentro deles, como uma parte que não era bem deles, como se pudesse ser separada. Os diferentes elementos fluíam de formas diferentes, o fogo ardente e agitado de Kalishta nunca seria como o gelo certeiro, impiedoso e silencioso de Finn. E essa era a maior diferença entre os elementos.

As pessoas começaram a se afastar da fogueira para seus sacos de dormir, e em poucos minutos apenas Imogen e Finn permaneceram ali. O fogo crepitava conforme a rainha Kalishta sonhava, sua magia conectada o tempo todo com as chamas. Imogen encarava o fogo com uma intensidade diferente, como se o entendesse. Sua atenção estava completamente nas chamas, uma leitora concentrada em arte. E era exatamente assim que Finn se comportava em relação a própria Imogen.

— Vamos começar o treinamento amanhã.

Ele disse mais pra si mesmo do que pra ela, ainda tentando se acostumar com a ideia. Apesar do poder que ele sabia que ela tinha, nunca havia treinado ninguém além de Kalishta. E Kali era impiedosamente forte, suportou os treinos mais intensos e pesados em relação a magia, ele não conhecia ninguém como ela além dos herdeiros. E Imogen não era uma herdeira. Finn tinha medo de a machucar.

— Não quero que pegue leve comigo. — Finn estava pronto para protestar, mas ela continuou. — A rainha Kalishta me salvou. O rei Jasper, rei Lúcios e ela, me deram uma chance, me tiraram do perigo. E eu posso não ter certeza do que está acontecendo, mas eu sei que preciso ficar forte para pelo menos tentar devolver o favor.

Finn percebeu que sua boca estava aberta, então a fechou. Porque a garota falou com tanta emoção, tanta convicção, que algo no príncipe se abriu totalmente, se revirou e saltitou. Ele se sentia um garoto idiota, mas estava profundamente feliz de ter a chance de treinar aquela garota.

— Não vou pegar leve com você.

Imogen sorriu, porque dessa vez sabia que era verdade. Não demorou muito pra que Finn e Imogen também desistissem da fogueira, e se juntassem a todos nos sacos de dormir. A garota tremia e batia os dentes, mas foi tão silenciosa que ninguém notou.

Na manhã seguinte, Finn acordou primeiro. Ele não se lembrava de ter se mexido durante o sono, mas se viu acordando bem mais perto de Imogen do que se lembrava. Os cabelos negros da garota se esparramavam pelo chão, como ondas charmosas de escuridão. Sua pele branca foi banhada pela luz dourada do sol, as mãos estendidas acima da cabeça de forma despojada, mas fechadas em punhos mesmo durante o sono. Do que aquela garota queria se defender?

Finn observou a única barraca posicionada ali, onde os pequenos dormiam, por causa da friagem. Era pequena demais, por isso nem Lúcios dormia ali, apenas Kalishta sua sobrinha. Finn pensou que seria bom conversar com Kalishta, para que Imogen também pudesse se abrigar contra as noites geladas que enfrentariam. Naquele ponto do caminho, nenhum dos três herdeiros podia sentir a natureza, então além do frio também haviam os animais. E eles não faziam ideia de que tipo de predadores poderia haver ali. Por isso, o príncipe Finn se levantou para uma ronda. Por isso e para se aliviar.

O grupo havia montado acampamento em uma pequena clareira, então em apenas alguns passos ele já estava rodeado por árvores. Folhas secas estalavam debaixo de suas botas formes, as mãos sempre nos bolsos, mas não para aquecê-las. Não. A neve caía de leve sobre as árvores ainda verdes, mas o vento gélido não parecia de outono. O príncipe conseguia sentir que dali pra frente o clima seria muito pior. Ele olhou pra cima e pensou. Um abrigo. Precisavam de mantas e cobertores, no mínimo uma lareira. E o poder de Kalishta poderia não ser muito abundante por muito tempo, precisavam se apressar.

Quando o príncipe já estava pronto para voltar ao monte de sacos de dormir, ele sentiu. Seus instintos aguçados captaram a presença primeiro, depois o cheiro, e então o passo que estalou um galho atrás dele. Mas as mãos de Finn já estavam estendidas, em posição de ataque, o gelo pronto pra pular na direção do inimigo.

— Príncipe? O que faz aqui?

Finn abaixou as mãos quando viu o rosto corado de Imogen aparecer por entre as árvores, o nariz vermelho de frio. Ele percebeu que o poder dela não dava resistência ao clima como o dele.

— Estava pensando.

Imogen se aproximou alguns passos, seu coração batendo mais forte conforme chegava mais perto do príncipe. Ela mal podia respirar perto daquela beleza avassaladora.

— Por isso é considerado o mais inteligente?

Eles haviam ficado conhecidos. O grupo, os que acabaram com o herdeiro negro. Jasper, Edwin, Lúcios, Emory, Kalishta e Finn. Mesmo que não estivessem todos lá no final, ficaram conhecidos por sua força e qualidade.

— É o que dizem de mim? Quem é o engraçado?

Imogen fingiu refletir por um segundo.

— Pelo que ouvi, Edwin é o carismático. Jasper é o misterioso, Kalishta a destemida, Emory a sorrateira, Lúcios o estrategista... não sei se definiram um engraçado.

Finn soltou uma pequena risada. As pessoas que definiram aquela lista provavelmente viam por fora. Ele jamais chamaria Jasper de misterioso pela forma como transbordava sentimentos, e nunca consideraria Emory como sorrateira, pois conseguiu ser pega tentando achar pistas sobre o herdeiro negro.

— E quem você acha o mais bonito? Já viu a todos?

Ele não conseguiu se conter. Uma curiosidade gritava em seus ouvidos, a necessidade. E mais uma vez, a garota parou para pensar, coçando o queixo em um movimento dramático. Por um momento ela lembrou Kalishta. Ele olhou fundo naqueles olhos agitados, e se perguntou quantos traumas haviam ali.

— As belezas são diferentes. Não preciso dizer que Jasper não se encaixa nos padrões, afinal precisamos ver um rosto para julga-lo, mas pelo que percebo... a beleza dos herdeiros em geral é quase selvagem. Acho que por causa do contato com a natureza, adquiriram um tom mais natural.

Finn tentou não se decepcionar com a resposta, mas depois se culpou por isso. O que ele esperava? Que ela dissesse o quanto ele era lindo, e então se beijariam apaixonados? As vezes parecia tão fácil para Lúcios e Kalishta. Ele sabia, os dois haviam passado por muita coisa, inclusive se odiavam antes de tudo. Mas naquele momento, pareciam mais unidos que tudo.

— Mas você...

Finn quase se assustou quando Imogen continuou, tinha certeza de que a garota havia acabado.

— Você tem...

— Ah! Vocês estão aí!

Kalishta correu até eles rapidamente, interrompendo a fala de Imogen no meio. O cabelo ruivo cacheado da rainha estava carregado de pequenos flocos de neve, o rosto vermelho como um pimentão pelo frio.

— Precisamos ir andando, a caravana vai avançar.

Com certa relutância, ambos seguiram a rainha e montaram em seus cavalos. Nenhum deles fazia ideia do que estava por vir.

Filho de BulhartOnde histórias criam vida. Descubra agora