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Finn tinha dois irmãos, mas só ele e seu pai sabiam disso. Noll e Bell eram conhecidos como os gêmeos da guerra em Bulhart, criados para guerrear e governar, mesmo que só um deles fosse filho legítimo do rei. Noll era o segundo nome de seu irmão Fenrir, Bell era o bastardo que crescera ao seu lado, com os mesmos olhos e cabelos de seu pai, porém com um título diferente. Pupilo do rei. Sua mãe gostava dele. Nem desconfiou que era filho de seu marido, até que os rumores começassem. Mas quando isso aconteceu, já era tarde demais, seu filho estava apegado ao garoto, matá-lo não era opção.

Isso foi o que Finn tentou dizer a si mesmo por muito tempo. Mas depois que uma expedição sem muitos registros voltou do outro lado do mar, depois de ser atacado por piratas e convenientemente seu capitão ser assassinado no processo, a rainha não ficou especialmente triste com a notícia. O rei chorou por seu bastardo, e Finn foi o único que enxergou o meio sorriso no rosto de sua mãe.


— Acho que chega de treino por hoje.

Finn formou uma pedra de gelo com uma das mãos, e se aproximou de Imogen para colocá-la em seu nariz.

— Pode se curar? — Imogen nega com a cabeça, aceitando o gelo para a dor.

Herdeiros possuem um índice de cura maior que humanos comuns. Nada sobrenatural, apenas resistência a dor e cicatrização mais acelerada. Isso normalmente não ocorre com pessoas normais, mas Finn pensou que pelo tamanho da extensão do poder de Imogen, ela o faria.

— Eu a curo.

Thalisnia se aproximou com passadas firmes, e estendeu a mão direita para o rosto da garota ferida. Imogen se encolheu, sentiu que explodiria assim como a criatura de momentos antes, incerta da quantidade de poder que seria capaz de suportar. Seu corpo se retesou quando Thalisnia se aproximou, mas ao contrário do que imaginou, ela não parecia irritada. Sua expressão era indecifrável. Vento gélido os atingiu, bagunçando os cabelos de Imogen apesar de os de Thalisnia permanecerem intactos, e quando passou, não havia mais dor. Thalisnia nem sequer havia tocado na garota, e ainda assim, era como se nunca tivesse sido machucada.

— Como você fez isso?

Thalisnia franziu as sobrancelhas, como se fosse óbvio. Ergueu os olhos para Finn, que encarava impressionado. Ele nunca tinha visto ninguém usar poderes sem ter relação com algum elemento, exceto por ela, duas vezes.

— Lúcios também pode fazer coisas assim. — Quando o olhar de confusão no rosto de Finn apenas aumentou, ela continuou. — Vocês não tem ideia do que os herdeiros negros podem fazer, tem?

Finn balançou a cabeça, negando. A situação era pior do que ela pensara. Sim, Thalisnia sabia da situação geral do país, dos ataques e dos sequestros, junto com o murmúrio da terra sendo agredida. Ela tinha um forte palpite do que poderia significar, mas imaginava que pelo menos algum dos herdeiros tivesse noção do que os esperava. Ela se levantou, e não disse nada quando caminhou de volta para perto dos cavalos, mas os dois a seguiram da mesma forma.

— Quantas vezes usou seus poderes de herdeiro negro na presença de alguém?

A pergunta veio certeira o suficiente para atordoar Lúcios, que encarava o horizonte despreocupado. Ele ergueu as sobrancelhas, prestes a dizer que nunca, mas se deteve. Houve uma vez, quando sem ter ideia de como, mudou o formato de seu rosto para perturbar Kalishta. Na época ele amava a ideia de parecer indecifrável para ela, e pensou que mostrar uma fração de sua parte corrompida poderia ser o truque perfeito.

— Uma.

Thalisnia revirou os olhos. Mas em partes, conseguia entender como o príncipe odiava aquele seu lado. As coisas feitas a ele por causa daquilo foram desumanas, e isso tinha influência na forma como Lúcios parecia ter medo de seu poder.

— Não fazem ideia de com o que estão prestes a lutar.

Finn franziu a testa, mas permaneceu calado. Para a surpresa de todos quem falou foi Imogen.

— O herdeiro negro está morto. E pelo que sei, não vai retornar tão cedo, já que todos os herdeiros atuais estão bem vivos.

Thalisnia bufou. Humanos eram medíocres. Irritantemente medíocres perante ao pouquíssimo conhecimento que possuíam. Lúcios parecia despreocupado, mas curioso. Finn era visualmente o único que parecia prever, o que Thalisnia estava prestes a contar.

— A historinha de dormir que espalharam sobre a origem do herdeiro negro, nada mais é do que um belo enfeitamento. — Ela se afastou e se sentou no chão, perto da margem. — O poder negro surgiu da natureza, com uma força tão avassaladora que os magos da época precisaram conter. Nenhum dos elementos era capaz disso, então deram sua vida para limitá-lo a um lugar. Minha mãe foi uma guerreira corajosa que decidiu explorar esse lugar, corajosa e burra. — Thalisnia suspirou, e a essa altura todos os outros já estavam sentados ao seu redor. — Inexplicavelmente ela engravidou, mesmo sem ter sido fecundada. O poder dos pântanos era completamente desconhecido, e mesmo assim, com vergonha do que sua vila poderia pensar, ela resolveu permanecer até que eu nascesse. Os animais de lá não a atacaram. De alguma forma, eles sabiam o que crescia naquele ventre.

Um arrepio percorreu a espinha de Imogen, e ela teve que abraçar os joelhos para continuar ouvindo.

— O poder do lugar formou meu corpo, minha mente e meu coração. Quando nasci, banhada em poder, minha mãe quis aquilo também. Ambiciosa, ela explorou até encontrar a fonte de todo aquele poder, e mergulhou dentro. O caldeirão negro no centro da floresta explodiu, e todo o poder que foi contido com morte e sangue, se espalhou por todo o país. — Thalisnia suspirou, como se fosse capaz de lembrar. — Foi quando os outros herdeiros surgiram. Foi necessário mais que morte para parar aquele poder, estava diferente de antes. Foi necessário que eu lutasse, mas isso seus livros de história não contam. Não contam como minha mãe foi corrompida, como continuava profanando ameaças mesmo depois da jovem Kibtaysh enfiar aquela adaga de leão em seu coração. Foi eu quem arrancou sua cabeça e queimou seu coração, com chamas negras e ódio nos olhos.

Sua voz era fria, quase indiferente, sem emoção alguma. Mas Finn viu quando sua garganta subiu e desceu, engolindo em seco.

— O poder do herdeiro negro nunca morre, e está ressurgindo agora. — Ela fez uma pausa. — E por mais que acreditem que estão seguros, eu confirmo a todos... Kai só não os massacrou mais, porque não quis. Aquele poder era bem maior que o da minha mãe. Kalishta teve sorte de seu coração não estar completamente tomado.

O peito de Imogen subia e descia com dificuldade. Ela era a única que demonstrava, mas todos ali estavam em pânico. Estavam todos fodidos.

Filho de BulhartOnde histórias criam vida. Descubra agora