14. Fase I - Bachiatari

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Notas da autora: Você encontra o significado das palavras marcadas com asterisco (*), assim como de todos os sufixos usados (ex: -dono, -sama) em Glossário & Honoríficos.

Bachiatari: Condenado, punido, amaldiçoado. No xintoismo/budismo é a palavra usada para se referir a um castigo divino a alguém que fez algo ruim.

Para curiosidade sobre o capítulo, leiam as notas finais.

Boa leitura!


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Kyoto, Capital da Corte – 20 de setembro de 1862

Era Tokugawa, 6 anos antes da invasão


Havia uma antiga tradição entre as moças solteiras que visitavam o Templo Kiyomizu-dera.

Reunidas nos degraus do Jishu-Jinja – o santuário do amor –, jovens donzelas aguardavam a oportunidade de atravessarem o caminho entre as pedras da adivinhação com os olhos completamente fechados. As bem-sucedidas deveriam curvar-se perante o altar e realizar o pedido ao deus dos bons-pares, Ookuninushi, rogando para serem abençoadas com um marido adequado e sorte em sua vida matrimonial.

Cheias de esperança, eram aquelas meninas tolas e inocentes que diluíam o silêncio opressor instituído, não somente por respeito às divindades, mas pelas tragédias intermináveis que assolavam o país desde que navios americanos ancoraram no porto de Edo e ameaçaram o poder do xogunato Tokugawa.

Uma semana antes, em quatorze de setembro, quatro mercadores britânicos foram atacados por samurais do daimyo de Satsuma, em Kagoshima. Ao sentirem-se desrespeitados, a comitiva do senhor feudal aplicou o kirisute gomen no grupo estrangeiro, deixando um morto e dois gravemente feridos; o último membro, uma simples mulher, fora a única ilesa. O ataque iniciou um fervoroso embate entre Grã-Bretanha e Japão, e desde então, muito se falava sobre a possibilidade de uma guerra entre nações.

Preocupadas com a segurança de seus homens, mães, esposas e filhas recorreram ao único auxílio que conheciam e passaram a visitar Kiyomizu-dera para rogar aos deuses por proteção e paz naqueles tempos tão conturbados. Assim, mesmo que impremeditadamente, aquela reunião de moças nas escadarias de pedra faziam as mulheres melancólicas e temerosas recordarem-se dos momentos mais simples de suas vidas, quiçá, de quando sua única preocupação era a de encontrar um alguém com quem pudessem construir um futuro.

E aquele ínfimo vestígio de normalidade arrancou sorrisos fáceis e risadinhas genuínas das visitantes que, vez ou outra, interrompiam o passo para assistirem às mocinhas ansiosas, desejando-lhes boa sorte.

Abrigada sob a sombra de uma árvore, a maiko observava as meninas de seu próprio okiya. Impacientes por uma oportunidade, empurravam-se ombro a ombro com outras de sua idade, gargalhando e cantando. Um sorriso delicado se abriu em seus lábios, sobretudo ao notar como esticavam o pescoço para tentar antecipar a aproximação de Madame Yaeko e sua irmã mais nova, que ainda não haviam retornado de suas preces.

Contrária às suas irmãs, ela preferiu não participar do tradicional rito.

Satisfeita em ser uma mera espectadora, apenas torcia para que cada uma delas tivesse seus pedidos realizados e encontrassem um alguém digno e merecedor de amá-las e ser retribuído. Crente ao poder divino e milagroso dos seres celestiais, não achava correto ou respeitoso participar da travessia com as outras, temendo que se ousasse fazê-lo sem desejar apaixonar-se fervorosamente, acabaria despertando a ira dos deuses.

Kurushimi - A Gueixa e o Samurai (SENDO TRANSFORMADA EM LIVRO)Onde histórias criam vida. Descubra agora