11. Fase I - Serpente Dourada

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Notas da autora: Você encontra o significado das palavras marcadas com asterisco (*), assim como de todos os sufixos usados (ex: -dono, -sama) em Glossário & Honoríficos.

Acesse o link da pasta de Kurushimi no pinterest para ver as referências visuais deste e de outros capítulos na minha bio do wattpad. Lá, há várias fotos para ajudar na visualização dos personagens e cenários.

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Kagoshima, Sul do Japão – 20 de março de 1872

Ano 5 da Era Meiji


Demorou alguns minutos para compreender o que havia ocorrido.

Com as costas apoiadas em uma árvore de tronco espesso e áspero, sentia a cabeça pulsar como um segundo coração, as sombras da noite rodopiarem diante de seus olhos e um sabor repulsivo enchendo-lhe a boca: ferroso, quente e espesso. Sangue. "Quando foi que adormeci?", indagou a si mesmo, não conseguindo encontrar o fragmento que conectava o espaço indeterminado de tempo entre o misterioso samurai e seu estranho despertar.

Uma garoa fina e branda despencava, escorrendo da ponta dos cabelos soltos para dentro da camisa, deslizando pelos braços até as mãos flácidas, enterradas entre o gramado e a lama como raízes profundas de uma árvore. A lua cheia e as estrelas lançaram sobre a atmosfera uma luz perolada que revelou uma crescente de corpos pálidos e desmembrados do morticínio, seus rostos virados, lábios abertos e olhos arregalados apontavam para os céus, parecendo clamar por uma misericórdia não concedida.

Ou sequestrada por ele e sua lâmina afiada que os rasgou e dilacerou, ainda se recordando perfeitamente de seus gemidos ininteligíveis e como se lamuriavam de sofrimento em sua passagem. Agora, jaziam imóveis como pedras brancas de um jardim aristocrata, pintando a paisagem ao seu redor em tons de preto e cinza, em breve absorvidos pela natureza que alimentar-se-ia de sua carne e fluidos.

Um vento vindo do oeste soprou em sua face úmida, carregando o cheiro da morte até ele, suave e quente como um amanhecer de verão. Torceu o nariz, enojado com a fragrância pungente de sangue que ondulava ao seu redor como vapor, sendo aquela a primeira vez que a sentia, mas longe de ser a última, futuramente acostumando-se tanto a ela que não lhe causaria mais incômodo algum.

Determinado a sair dali, apoiou-se no chão para levantar e deu um impulso. Ao se erguer, sentiu o equilíbrio falhar e cambaleou alguns passos para trás, precisando segurar na árvore para não despencar. Respirou fundo, sentindo um ponto específico de sua cabeça latejar e usou da outra mão para tocar ali, encontrando um inchaço próximo à nuca que o fizera concluir que, em algum momento da batalha, fora atingido e desmaiara.

Mas a pancada não conseguira apagar de sua lembrança aquele nome, nem o homem que o pronunciara: Serpente Dourada.

Abriu caminho em meio aos mortos, as botas afundando no solo empapado de água e sangue, as mãos buscando apoio em cada árvore até que não fosse mais preciso, tomando tento das estrelas e da acrescente de corpos para localizar-se em meio à mata. Ao sul, conseguia ouvir eco de vozes masculinas, tão baixas e quase inaudíveis que pareciam fruto de uma mera alucinação.

Continuou, ora atentando-se aos relevos do terreno, ora absorto em seus próprios pensamentos, não sabendo dizer com precisão por quanto tempo andara, mas com a certeza de que o caminho da ida não lhe parecera tão comprido e cansativo, sabendo que toda aquela adrenalina fluindo por seu corpo ao ter sua própria vida colocada em risco perturbara sua percepção de tempo.

Kurushimi - A Gueixa e o Samurai (SENDO TRANSFORMADA EM LIVRO)Onde histórias criam vida. Descubra agora