Quando a voz se cala.

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⚠ Contém gatilhos emocionais.

Enquanto a luz das estrelas e da lua refletiam no céu escuro, a grama curta balançava, com seus movimentos causados pela ventania que circulava o local. Uma montanha, que dava a visão magnífica de uma pequena cidade. O vento soprava todos os pensamentos do casal, que sentado na grama, encaravam seu próprio ambiente. Talvez o silêncio não fosse de fato, o maior inimigo daquele momento. Pelo contrário, o silêncio quebrava-se a cada assobio, trovão e gota de chuva que se chocava contra o solo. Logo a iluminação monossilábica de um raio iluminou ambos os rostos. Gelados e tão distantes de si, quando um dia eram tão próximos.

── Você está lembrando, não é?

O rosto virou-se ao dono dos cabelos pretos, como quem quisesse, de alguma forma, acorda-lo. E nunca iria negar tal ato. O olhar alaranjado não desviou do rosto do outro, em uma insistência que não se quebraria.

── Tem como eu não me lembrar?

Finalmente o oceano se juntou ao fogo, assim que seus olhares se cruzaram. A cor oceânica das íris se apagava em tons escuros e arrependidos, como se tudo o que demonstrasse fosse desespero ─ talvez no fundo, fosse isso mesmo. ─ Não demorou para que uma das mãos do alaranjado se estendesse, para enfim encostrar o rosto gélido do dono daquele triste oceano. Seus dedos se molharam com as lágrimas que expressavam toda sua dor. Momentaneamente as secou, enquanto seu polegar acariciou gentilmente a olheira escura que havia debaixo de seus olhos. Sua rotina de sono era tão conturbada quanto a tempestade que encharcava a cidade.

── Hoje completa cinco anos. Eu ainda consigo me lembrar de cada dia com ele como se fosse semana passada. Eu me sinto... Preso no tempo. ── O ruivo não impediu que sua companhia desabafasse ou desabasse, enquanto insistia. Manteve seu olhar compreensivo e observardor nas íris escuras e marejadas do outro. ── Tudo o que me importava era ele. E eu só queria entender o que eu fiz de errado. Ele parecia tão... feliz.

── Pessoas suicidas nem sempre são tristes.

O vento se tornou agressivo, enquanto as sobrancelhas laranjas se franziam sutilmente, e o rosto do moreno virava-se, cortando o contato. O menor abaixou sua mão, agora mantendo novamente distância. Os olhos azuis contemplaram a cidade novamente.

── Eu sei disso.

As mechas pretas de sua franja se deixavam levar pelo vento, dando visão para que notasse as lágrimas contínuas. As memórias e as historias contadas passavam como filme torturante na mente de cada um. Não estavam próximos, talvez nem quisessem ser no momento, mas as cenas, de alguma forma, lhe conectavam.

── Uma vez ele havia me dito que se morresse, não iria querer me ver triste. E que seria para eu procurar outra pessoa.

── Foi no aniversário de três anos de vocês, não foi? ── Acrescentou, enquanto o dono dos cabelos negros virou seu rosto para o mesmo, surpreso. Numa forma envergonhada, desviou para o lado rapidamente ao notar seu olhar ser retribuído.

── Ah... E-Eu já havia lhe contado isso. Perdão.

Um sorriso sutil havia nascido no rosto do ruivo, mas logo se desmanchou. A tempestade se intensificava e se expandia e não demorou para sentir algumas gotas de água caírem sobre seus cabelos.

── Parece que a chuva nos encontrou. ── Esperou por algum movimento do maior, que ainda com o rosto desviado, não acrescentou mais nada. Respirou fundo ─ se é que conseguia ─ e continuou o encarando. ── Você não se incomoda com a sensação de roupa molhada?

Sua pele congelou. As memórias de seu ex-namorado continuavam passando sobre sua cabeça numa velocidade rápida, enquanto o moreno procurava por pistas, sinais, qualquer coisa. Qualquer briga, discussão ou tristeza. Como poderia, repentinamente, ter se matado? Mas não demorou para que sua alma travasse ao escutar a frase vinda do ruivo.

── Eu nunca havia lhe dito isso. ── Enquanto as peças daquela história começava a se encaixar, o maior sentia seu coração acelerado. Não estava alucinando, certo? E se estivesse, já havia tomado uma decisão. ── Como você sabe disso?

Os comentários alheios, as memórias quebradiças e as conversas tão distantes. Tudo parecia fazer sentido, mas precisava confirmar. Precisava sentir.

── O que você quer dizer com isso?

O ruivo havia ficado de pé, enquanto seus olhos exalavam tranquilidade, observou o maior se levantar e se virar também, com o rosto molhado pela chuva, era impossível distinguir quais gotas eram lágrimas ou água. O moreno podia sentir seu coração aos poucos esfriar-se, conforme as respostas estavam surgindo e as memórias se esclarecendo.

── Quero dizer que é culpa minha, não?

As cenas que antes, pareciam irreais, aos poucos ganhavam cores e luz, enquanto tudo a sua volta parecia se tornar cinza e fora da realidade. Não conseguia sentir seus pés, a tontura invadia seu olhar trêmulo e desesperado.
Faziam cinco anos que aquilo havia se passado, e por todo esse tempo, o que havia vivido? Com quem havia conversado? Sequer houvesse pensado em outra coisa além de Hinata.

── Kageyama...

As sobrancelhas se franziram, enquanto o moreno tentava se afastar, o ruivo dava passos para perto de si, o encurralando. Mais lágrimas saíam de seus olhos, tornando sua visão embaçada. Finalmente se rendeu, enquanto ambas as mãos seguravam o rosto do seu amado, que aos poucos, se aproximava para algum tipo de contato. Hinata estava mesmo em sua frente, ali? Conseguia escutar sua voz, sentir sua respiração, tocar seu rosto. Sentir a pele gelada e molhada do ruivo depois de tantos anos, era aliviador. O barulho da chuva e do vento havia se apagado, enquanto tudo se tornava lento aos seus olhos. Queria beija-lo, ou melhor, faria isso. Assim finalmente livraria toda a sua dor e agonia que carregou durante anos. Finalmente se libertaria.

── Não é sua culpa. Eu já não havia lhe dito para não ficar triste com as minhas escolhas?

Trovejou. Finalmente seus tímpanos escutaram a som alto da tempestade. A chuva, o vento e os raios. Tudo de uma vez. Um som agudo ocupava sua mente, enquanto a luz branca momentaneamente forte o cegava por alguns segundos. Quando finalmente se estabilizou, não sentiu mais nada. Suas mãos estavam vazias. E ao perceber que Hinata nunca esteve ali, seus olhos contemplaram o vazio, enquanto finalmente se voltou a realidade.

Enquanto a luz das estrelas e da lua refletiam o céu escuro, a grama curta balançava, com seus movimentos causados pela ventania que circulava o local. Em uma pequena montanha, que dava a visão magnífica de sua pequena cidade. O vento soprou todos os pensamentos e ilusões, enquanto finalmente seus dedos largaram da terra, seu corpo deixou com que o peso o guiasse até o chão. Sua voz finalmente se calou.

Quando As Ondas Tocarem O CéuOnde histórias criam vida. Descubra agora