Se nada de bom acontece de madrugada....

153 7 0
                                    

O que acontece de ruim?

Refletia a mente do grisalho. E queria saber a resposta, mesmo com alguns palpites em mente.
Mas acho que esse não é o melhor jeito de começar a contar as coisas...

Sweet Amoris sempre foi um exemplo quando se tratava de surpresas. E não havia sido diferente naquele início de ano letivo. Dado início ao acampamento de preparação aos alunos, algo não muito novo, mas que ninguém esperasse que fosse tão cedo.
Não que realmente tivessem do quê reclamar. Afinal, três dias grudados a natureza, banhos em rios e atividades físicas poderia não ser a coisa mais divertida do mundo, mas com toda certeza era melhor do que copiar deveres de matemática e física.

Então, que seguissem viagem. Após uma tarde longa de preparação, divisões de grupos, busca de suprimentos e coisas necessárias a se levar dentro da mochila, ás dezoito da tarde os alunos e alunas embarcaram no enorme ônibus alugado pelo colégio. Uma pintura discreta de azul escuro e detalhes em azul marinho marcavam as laterais do veículo. Em cada janela, uma cortina cinza escuro. Pares de assentos acolchoados em fileiras, cada um com abertura para ar-condicionado e uma fraca luz de interruptor. Tudo para que fosse uma viagem confortável e divertida fosse feita.
Mas não pensaram em um pequeno detalhe: O horário, conforme passava, deixava todos com mais sono e cansaço, e de repente assentos viraram camas, e um ônibus com amigos se divertindo, agora era mais silêncio conforme escurecia.

Em um dos pares de assentos, dois alunos ainda se mantinham muito mais acordados do que todos os outros. E isso poderia ser consequência das sonecas durante as aulas e o início da viagem. Mas não ganhavam nenhum destaque por quaisquer motivos, pelo contrário. O silêncio entre ambos era sutil, os fazendo de meros figurante no cenário escuro. Portanto, aquela madrugava os enxergava como protagonistas.

O casal de amigos se encontrava em silêncio. Enquanto Lysandre, o grisalho mais alto anotava algumas inspirações em seu bloco de notas, o silêncio era quase que um detalhe perfeito para a organização de pensamentos. Diferente do seu melhor amigo ruivo, Castiel, que se encontrava com a cabeça encostada no assento, enquanto seus ouvidos eram tampados por fones, reproduzindo músicas de rock ou até mesmo algum indie que o menor gostasse, seus olhos miravam janela afora. A lua, sua principal peça na paisagem, brilhava de forma um pouco mais intensa. Tal brilho que, aos poucos, se ofuscava imperceptivelmente. Castiel conhecia bem aquele evento: A transição da noite, para a madrugada. Mentalmente, concluiu que estava por volta da meia noite. E desbloqueou o telefone para verificar: Já se passavam cinco minutos além do palpite.

Curiosamente, os olhos acinzentados desviaram-se para Lysandre, afim de saber se o mesmo já havia caído no sono. Mas para sua surpresa, o olhar concentrado do outro rapaz continuava vidrante e totalmente desperto. Um sorriso e uma risada levemente fraca foi solta pelo ruivo, de forma repentina, assim chamando a atenção do melhor amigo.

"O que foi?"

Curioso, Lysandre interrompe seus pensamentos e anotações, agora retribuindo em um sorriso sereno. A voz ecoava em tom de sussurro, justamente para não atrapalhar os sonos e sonhos alheios.

"Se liga na sincronização."

O sorriso abriu-se mais, enquanto retirava um dos fones de ouvido e com certo cuidado, encaixava no ouvido do grisalho, o permitindo entender a sincronia: O fone tocava o início da música Nada De Bom Acontece De Madrugada, da banda Scatolove. Umas das favoritas de ambos. O mais novo hit da banda havia se tornado, de repente, uma das músicas que os amigos mais escutavam juntos. Um pequeno hábito que se tornara tão frequente após compartilharem suas paixões pela música.

Assim que um dos lados do fone fora aproximado o suficiente da orelha de Lysandre, o maior soltou um sorriso, agora endireitando de forma melhor em sua orelha, aproveitando a música. Os lábios se mexiam cantarolando a letra da música, mas não pronunciava som algum, enquanto a cabeça balançava em movimentos sutis, com todos os traços esboçando a felicidade e animação espontânea ao escutar a música.

Castiel, por vez, negou levemente enquanto o sorriso permanecia em seu rosto. Adorava a companhia de Lysandre mais do que qualquer coisa, então a Lua teria de esperar. Ao contrário do mais velho, não se segurou: cantava a música, com a voz ecoando baixinho, quase que inaudível. Como já haviam levantado o braço de descanso que separava os assentos, pode se aproximar mais do grisalho, se ajeitando na cadeira e deixando a lateral de seu corpo em contato com a de Lysandre. Deitou a cabeça no ombro do amigo, sem diminuir ou aumentar a voz. Continuava cantarolando, enquanto os seus pensamentos eram ligados a rede social que abria no celular, navegando pelas publicações, fotos e comentários.

Enquanto ao seu lado, a mente de Lysandre não lhe dava descanso. Ao invés de pensar nas anotações, refletia a música que tocava. Gostava de questionar tudo que pudesse, principalmente quando se tratava das letras das músicas. E levava aquilo a sério, para a vida e a rotina. A música claramente falava sobre dormir, mas aquilo não era o que lhe chamava atenção. Seus pensamentos voltavam-se tanto para o título quanto para o refrão: Nada de bom acontece de madrugada. Pensava, e perdia a noção do tempo enquanto encarava os blocos em suas mãos. Os cabelos avermelhados esquentavam cada vez mais seu ombro, mesmo através dos tecidos, mas aquilo não lhe incomodava.

A música repetia várias, e várias vezes a tal afirmação: Nada de bom acontece de madrugada. Mas qual tipo de afirmação era aquela? Lysandre, do jeito que transmitia preguiça, era claro que nunca havia ficado acordado muitas madrugadas para saber. Mas quando havia uma exceção, Castiel era sempre sua maior companhia.

Castiel era seu melhor amigo desde a chegada do ruivo em Sweet Amoris, eram mais de anos de amizade. Piadas internas e risadas não eram o suficiente para descrever a relação dos dois. Carinhos, abraços e o fato de nunca estarem separados seria bem melhor. Com Castiel, o grisalho poderia ser "ele mesmo", sem bancar as formalidades ou a seriedade que era pública. E tudo aquilo fora recíproco, Castiel sempre podia ser aberto as emoções, de forma mais tranquila. E aquela relação era uma das melhores coisas que Lysandre tivera ao longo da vida. Porém, aos poucos, foi mudando.

Havia alguns meses que o heterocromático já não se sentia da mesma forma com as carícias e os abraços. A troca de olhares com o ruivo lhe aquecia o coração e o disparava no mesmo momento. Mas não queria aceitar o que estava acontecendo, fosse o que fosse. Então escondeu, e ali estava. Refletindo no quanto seu amor pelo ruivo aumentava. Enquanto Castiel, por vez, passava os stories de alguns famosos com o polegar, sem ao menos mexer o olhar.

Se nada de bom acontece de madrugada, o que acontece de ruim, então?

Refletia a mente do grisalho. E queria saber a resposta, mesmo com alguns palpites, queria entender o verdadeiro sentimento que fazia seu coração bater mais forte quando a presença do ruivo era sentida. Não hesitou em descobrir na prática.

Em alguns movimentos sutis, se virou de frente ao ruivo, que, sem entender, ajeitou a postura para olhar Lysandre em seus olhos. Uma das mãos do mais velho foi direto ao rosto do outro rapaz, dando início a um beijo profundo. O ruivo não recusou, pelo contrário, as mãos rapidamente foram direcionadas a nuca do amigo, com os dedos adentrando entre os fios lisos e grisalhos.

O coração acelerava deliberadamente, e a respiração se tornara ofegante em questões de segundos. Castiel o deixava sem ar, e sem senso de direção. E foi o suficiente para confirmar o que sentia, mas não foi o suficiente para saciar a vontade. Queria mais de Castiel, e queria mais do sentimento maravilhoso que o proporcionava. Estava completamente apaixonado pelo ruivo, e amava aquilo com todo seu coração.

As mãos de Lysandre foram até a cintura do ruivo, aproximando ambos os corpos e se inclinando um pouco mais em direção ao mesmo. Era mais difícil de respirar assim, mas não se importava. A sensação era ótima e a vontade de nunca mais separar o beijo era aumentada.

Lysandre nunca havia passado a noite em claro, até conhecer Castiel. Nunca havia entendido as gírias mais atuais, ou vestido uma jaqueta de couro para experimentar. Nunca deu importância a cor vermelha, ou pensado que a música teria mais importância do que antes em sua vida. Até Castiel chegar.

Entendeu que nada funcionava da mesma forma na madrugada. Que podemos ser impulsivos, e pensar coisas que não fossem certas e que talvez fosse melhor ir dormir nesse horário. Se nada de bom realmente não acontecesse de madrugada, então Castiel era seu desastre do amanhecer. E preferia mil vezes perder o sono e madrugar.
Finalmente, Lysandre descobriu o que de ruim acontecia de madrugada, e desejava mais.






Quando As Ondas Tocarem O CéuOnde histórias criam vida. Descubra agora