Uma Carta da Rainha

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Sábado. 18 de março de 1603. 10h30min.

Os dias aqui são todos iguais para a maioria das pessoas. Elas acordam, tomam seu desjejum, e saem para trabalhar. Parece que elas nunca buscam olhar para o mundo através de outras lentes e... bem, todos já se acostumaram com isso. Com esses dias monótonos que se arrastam preguiçosamente enquanto a vida segue. Enquanto expiramos e inspiramos... a vida simplesmente segue.

Eu, por outro lado, sempre busquei olhar para esta cidade com outros olhos. Através de outras lentes. Acho que quando se é músico, poeta, a tendência é sempre essa: nós enxergamos o mundo que criamos em nossas canções. Em nossas histórias épicas. Sim. Eu me orgulho de ser menestrel, porque... este é um poder que é concedido a nós: transformar o mundo e tudo que há nele sem precisar de grandes esforços. Nós só... escrevemos, compomos... e tudo se torna real.

Não me importo mais com os risinhos de algumas pessoas quando me veem saltitando por aí, tocando e cantando como se a tristeza não existisse, porque... o que é a tristeza senão algo passageiro? Uma história escrita pelas mãos de um garotinho inexperiente chamado destino?

- Você vai acordar o país inteiro com essa cantoria toda, Jyonfew! - É Marion. A garota mais linda que meus olhos atentos já viram. Eu gosto dela. Ela... é tão linda! Um anjo na terra. Eu já senti vontade de dizer isso a ela: que a amava. Já escrevi poemas para ela, músicas, mas... nunca tive coragem de cantá-las. De declamar esses poemas escritos por apenas mais um apaixonado.

Aceno para ela com um sorriso iluminado. Um sorriso que nunca deixou meu rosto nem mesmo quando minha vontade era de chorar oceanos. Calar meu canto para sempre.

- Bom dia para você também, Marion! - Cantarolo.

- Um dia ainda vou descobrir a fonte dessa sua alegria toda, viu?

É você, tenho vontade de dizer. Mas essas palavras nunca saem.

- Vai sonhando! - É tudo que digo antes de seguir meu caminho. Antes de me afastar dela... sem deixá-la de fato. Meu coração ainda bate por ela. Marion. A musa que inspira minhas mais belas canções.

Mal percebo quando chego ao meu destino. Quem abre a porta é Leandro, um velho amigo que tornou-se um grande músico depois de tantos anos de prática.

- Jyonfew! - ele abre os braços em uma saudação - Como vai, meu rapaz?

- Ha-ha. Me chama de "meu rapaz" como se não tivéssemos a mesma idade.

Leandro ri. É uma risada cativante. Como se o sol brilhasse mais toda vez que ele risse.

- Trouxe as partituras?

- Nããão! - ergo os papéis com um sorriso - Por que acha que eu vim até aqui?

- Pra me tirar do sério?

- Ei!

Ele ri mais uma vez e fecha a porta quando passo por ela.

Estamos em sua sala de estar (sala de estar que mais parece uma loja de música! Nem na minha casa tem tanto instrumento assim! E olhe que eu tenho vários, viu?)

- Então... - sentado numa poltrona, dedilho meu alaúde como sempre faço quando estou pensando em algo para tocar - Por que precisa de tantas partituras assim? O que vamos tocar?

- Vamos?

- É, ué! Nós compomos, nós tocamos. Somos uma dupla, esqueceu?

- Verdade. Somos mesmo. - Pega uma carta em cima de um piano e me entrega.

- O que é isso?

- Abra e leia. E... Jyonfew, cara... - ele está saltitando agora - Tem que me prometer que não vai desmaiar.

- É o quê? - Estou nervoso. O que será que é?

Então abro a carta, leio... e tenho que me segurar á cadeira para não cair dela. Ai, caramba! Isso é... Isso é sensacional!

A caligrafia é perfeita. Digna de quem a escreveu. E cada palavra que leio soa como uma música. Uma música que faz minha mente rodopiar de felicidade.

"Caros senhores Jyonfew e Leandro.

Não tenho ideia de quando esta carta chegará até vocês, mas... meus mensageiros são bem rápidos, então acho que não irá demorar. Falando em nome de toda Inglaterra, convido-lhes a uma visita á corte para que possamos ouvir e ver quão talentosos vocês são.
Lhes recompensarei com uma boa quantia em dinheiro caso forem tão bons quanto ouvi falar.
Atenciosamente,
Elizabeth".

Meu coração está disparado. Acho mesmo que vou desmaiar.
ISSO É SIMPLESMENTE INCRÍVEL!

- Ai... Meu... Deus! - agarro meu alaúde com força - Meu santo Deus!

- Calma, Sr. Potter! - Leandro ergue as mãos, mas ele parece tão empolgado quanto eu - Se controle!

- Ai, minha nossa! - estou saltitando agora - Fomos convidados... para tocar para a rainha!

- Sim! - ele toma a carta das minhas mãos - Tocar para toda a nobreza!

- Seremos famosos, Leandro!

- Isso! - ele pega as partituras - E quando voltamos para casa, você pode finalmente se declarar para a Marion!

Meu sorriso se desfaz.

- Marion...

- Jyonfew? - Leandro passa o braço sobre meus ombros - Cara...

- Vamos ter que deixar as pessoas de quem gostamos, Leandro. E este vilarejo. Eu... Eu não me imagino acordando em outro lugar. Acordando outras pessoas com minha música ou... ou saltitando por pisos de mármore em vez de... em vez de por essas ruas que nós conhecemos tão bem. Eu... - desvio o olhar - Eu não sei se estou pronto.

- Ei... Olha pra mim. Nós vamos voltar, tá bom? São só... algumas semanas. Eu sei que o desconhecido é assustador, Jyonfew, mas... Nunca saberemos se somos capazes de tocar um instrumento... se não tentarmos, não é?

Respondo-lhe com um sorriso trêmulo.

- Obrigado.

- Por te dar uma bronca motivacional?

- Por ser meu amigo. Meu melhor amigo.

- Não precisa me agradecer por isso. Agora... - ele me empurra de brincadeira - Vai arrumar as malas e esteja aqui amanhã bem cedo se não quiser levar um puxão de orelha!

- Sim senhor, capitão! - E deixo sua casa sorrindo. Cantando novamente. Eu enfrentaria o desconhecido. Iria até o palácio e tocaria para a rainha. Leandro e eu. Irmãos. A fama nos aguarda!

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