Conversa com uma psicóloga

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Quarta-feira. 1 de abril de 2020. 12:00h.

Eles mandaram uma psicóloga vir aqui porque eu não quis falar com nenhum deles. E eu deveria? O que acontece no meu interior não é da conta de ninguém além de mim mesmo, e... eu não tenho culpa se eles não acreditam no que eu digo! Não fui eu que matei aquelas pessoas. Não exatamente.

- Vou perguntar outra vez, Sr. Potter. – diz um policial. Acho perturbador o fato dele falar comigo como se me conhecesse. Ninguém aqui me conhece. Ninguém! – Como conseguiu matar tanta gente?

- EU NÃO OS MATEI! - levanto-me da cadeira e bato as mãos com força no tampo da mesa. Então, sento-me novamente – Não diretamente.

- O que quer dizer com “Não diretamente”? – O policial insiste.

Respiro profundamente. Eu posso não ter matado nenhuma daquelas pessoas, mas estou com uma vontade ENORME de matar este homem.

Calma, Jyonfew. Controle-se.

- Não é da sua conta o que quero dizer. – falo rispidamente – E não é problema meu se você é estúpido demais para não acreditar.

- Veja como fala, Sr. Potter. Está diante de uma autoridade.

- Não estou vendo nenhuma. – retruco – Você é só um homem. Como eu.

- Pra mim já chega. – ele vai até a porta e olha para a psicóloga que está sentada diante de mim – Wagna, faça-o falar. Eu tenho certeza que se eu ficar mais um segundo aqui... vou matá-lo e perder meu emprego. – Então ele sai e deixa-nos sozinhos.

- Olhe, Sr. Potter...

- Jyonfew. – Corrijo.

- O quê?

- Meu nome... é Jyonfew. Já cansei de ser chamado de “Sr. Potter".

- Tudo bem. Jyonfew, então. Veja... ninguém aqui está te acusando. Nós só queremos saber...

- Ah, estão sim. – interrompo – Se não estivessem, eu não estaria nessa masmorra.

- Masmorra? – ela repete de cenho franzido.

- Que é? Tem outro nome pra isso?

- Cela... Cadeia... Mas nunca ouvi ninguém chamar isso de masmorra.  De que século você é?

- Dezessete. – Estou sério. Não vejo motivos para ela estar rindo.

- Certo... Sem brincadeiras agora.

- Eu pareço estar brincando? Escuta aqui: eu perdi um amigo. Minha família inteirinha e possivelmente a garota que eu amava. Eu sou tão vítima quanto essas pessoas mortas, lady Wagna. Acredite.

Ela parece estar pensativa. Então tira do bolso um objeto retangular que brilha. Bem... ao menos está emitindo luz agora. Olho abismado para isso a pesar de não querer expor meu interesse.

Então, ela passa os dedos por esse objeto e depois o coloca em cima da mesa.

- Reconhece esta mulher? – como não me movo para pegar o objeto (Que é? Estou verdadeiramente assustado! Que coisa é essa?) ela o mostra para mim.
Sinto falta de ar. Meu rosto deve estar pálido, porque... Wagna está me olhando com semblante preocupado.

- Ah, Deus... – Estou tremendo. Como eles sabem? Como essas pessoas sabem sobre ela? Será... Será que ela também está morta?

- Jyonfew... – a voz da psicóloga parece distante. Como se eu estivesse embaixo d'água – Jyonfew, você conhece esta garota?

Se conheço?! Ah, céus! É claro que conheço! Como não conhecer o amor da minha vida?!

- Marion... – sussurro – Como conseguiu capturá-la? Prendê-la neste... neste pequeno aparelho de vidro?!

- Quê? – há sincera surpresa em seus olhos – Meu rapaz... isso é só uma foto. Em um celular. Eu não prendi a... Marion. De que mundo você veio, pelo amor de Deus?

Celular. Foto. Eu não faço a menor ideia do que essas palavras querem dizer. Mas se eles sabem onde está a Marion... Então talvez... ela esteja viva.

- Marion... – Começo a chorar. A me culpar. Ah, céus! Leandro e eu não devíamos ter deixado nosso vilarejo. Não devíamos ter ido até a corte e eu definitivamente não devia ter posto minhas mãos naquela... naquela coisa. E agora... E agora eu estou em outra era, preso, e cercado por pessoas estranhas  e... e eu não faço a menor ideia do que fazer!

- Calma, meu rapaz. Tenha calma. – ela estica o braço e toca meu ombro. Isso... me faz lembrar de Leandro – Se continua afirmando que não matou nenhuma daquelas pessoas... – ela olha-me com seus olhos escuros. Penetrantes - ...Então porque não me conta a sua versão dos fatos? O que realmente aconteceu com todas aquelas pessoas?

Balanço a cabeça negativamente.

- Você não vai acreditar em mim.

- Eu só vou saber se te ouvir.

Suspiro.

- Está bem. – então olho em volta – Tem... algum alaúde por aqui?

- Um o quê? – ela não disfarça um sorriso confuso.

- Um... – faço um gesto como se estivesse tocando - ... alaúde. É que me sinto melhor em relatar algo... em contar uma história... quando estou tocando.

- Então você é músico.

- Sim.

- Estou começando a te achar interessante,  Sr. Potter. Bem... se isso te fará falar... – ela olha para o segurança que acaba de chegar – Um violão serve?

- Dá pra o gasto.

- Muito bem. – e sinaliza para que o segurança atenda meu pedido.

Muito bem, Wagna... estou começando a gostar de você. A pergunta agora é...  Será que vai acreditar em mim? Quer acredite quer não,  eu contarei todos os fatos. Preciso desabafar com alguém e... Leandro não está mais aqui para me ouvir, então... só me resta confiar nessa mulher á minha frente. Abrir meu coração e minha mente para ela. E se ela trair minha confiança, eu simplesmente não sei o que farei mais.

- Muito bem, Jyonfew... – ela diz quando o segurança finalmente me entrega o violão. Toco alguns acordes. O som é perfeito – Conte... Cante sua história para mim.

E eu começo. Eu toco. Eu canto. Rasgo minha alma diante dela. Conto cada detalhe e não evito as lágrimas porque a música que elas tocam faz parte da trilha sonora dessa história. Da minha história que teve um fim tão trágico.






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