II. Pomona e Vertuno

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Longe de sua casa, do seu conforto e segurança, Lucrécia era banhada por suas novas criadas, que a preparavam para a noite de núpcias com seu marido. Ela se sentia ansiosa, repassando todos os conselhos que tinha recebido sobre esse dia até então. Esperava que o marido se demonstrasse cavalheiro e gentil, e ela se mostraria devota e submissa.

— Então eu vou ter um quarto só para mim? — a jovem perguntou, enquanto se olhava no espelho.

— Sim, só para você. — a criada ao seu lado respondeu.

— Ele é confortável?

— É um quarto, minha senhora.

— Se não for do jeito que eu quero, tenho plena certeza que meu marido o moldará desse jeito.

As criadas nada responderam, e apenas terminaram suas atividades. Lucrécia foi vestida com uma camisola simples, e guiada até seu quarto, onde esperou pacientemente por Giovanni. Ela estranhou a falta de móveis, já que o quarto era preenchido apenas por uma cama, um baú, e uma estante pequena com livros encardidos. Havia uma janela pequena com grades no topo do quarto, e ela se sentia importante por estar numa torre exclusiva para si.

Assim que o homem passou pela porta, Lucrécia levantou-se, dizendo que ele parecia muito bem disposto. Sua ansiedade por aquele momento era tamanha, que ela começava a beliscar as pontas dos seus dedos. A atitude de seu marido, em contraste com a dela, foi a de um animal: rasgou-lhe a camisola, empurrou-a na cama pelo pescoço. Tirou-lhe sua virtude à força, ignorando quaisquer apelos ou súplicas de sua mulher.

Os únicos sons que saíam de Lucrécia eram gritos de dor, desespero. Em toda a sua vida, nunca imaginara que sentiria tanta dor em um momento que deveria ser prazeroso. Contou cada uma das investidas do ser marido, esperando apenas que aquilo acabasse logo.

Sentiu-se suja, imunda, quando o trabalho foi encerrado. Seu homem, que parecia mais seu torturador a partir daquele momento, saiu e a trancou em sua nova masmorra. As lágrimas da recém-desvirginada conseguiam quase inundar seu travesseiro duro, e ela se encolhia de pavor. Dessa vez, não podia se encolher no abraço caloroso do seu irmão, ou ter seus cabelos afagados por ele. Será que ele estava preocupado com ela, ou a mulher que tinha visto anteriormente já tinha dominado seu coração? Ela só queria que ele estivesse ali, com ela, não importando o que ela tivesse que fazer para isso.

Dormir tinha sido uma tarefa impossível naquela noite. A jovem tirava apenas rápidos cochilos, tinha pesadelos, e acordava amedrontada. Ainda tinha dores, que não sabia se tinham sido causadas pelo ato brutal ou pela péssima cama. Ela apenas esperava que o dia seguinte fosse mais misericordioso.

Pela manhã, uma criada foi enviada para trocar a roupa de cama. Lucrécia encarou a mancha do próprio sangue, relembrando mais uma vez a noite horrível que tinha passado.

— Eu preciso tomar um pouco de ar. — ela disse, desviando o olhar.

— Não estamos autorizadas a te levar aos jardins. Apenas o senhor Sforza pode fazer isso.

— Por quê?

— São ordens dele.

Mais uma vez, a angústia tomou conta de seu coração. A criada se entristecia em conjunto, tendo ouvido todo o acontecido na noite anterior, mas nada podendo fazer.

Aos poucos, Lucrécia começava a entender o que se passava ao seu redor: ter seu próprio quarto não era seu privilégio, e sim seu castigo. Com o tempo, ela era mais que um pedaço de carne para Giovanni: era também o seu saco de pancadas. Qualquer frustração que sentisse durante o dia, seria descontada em sua esposa. Seu corpo, antes delicado, começou a se encher de marcas roxas e vermelhas. Das poucas vezes que tinha tentado escapar, tinha sido tão machucada que jurava para si mesma nunca tentar novamente.

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